O filme Perfect Days (2023) dirigido por Wim Wenders revela uma Tóquio bucólica e completamente diferente daquela que vemos em muitos filmes. Esse filme ganhou a Palme d’or (2023) de Melhor Ator para Koji Yakusho. Uma ode a poesia, venha se deliciar com essa película que só nos surpreende com sua grandeza.
Olá, querido rabitter! Aqui é a Vanessa, quanto tempo hein? Eu sei, eu sei, há muito tempo não escrevo para você, hã? Como não poderia ser diferente, hoje falaremos sobre….. Rufem os tambores….
Falaremos sobre a sétima arte!
Isso mesmo, CINEMA! Yep, eu adoro Cinema e amo Wim Wenders, como vocês já devem saber. Esse é o segundo post que falo sobre ele, se quiser ler mais sobre o outro, basta clicar em https://alemdatoca.com.br/2020/04/21/happy-ending-um-olhar-cinematografico-sob-a-shattered-love-theory/
Navegando pelo MUBI um dia desses, vi essa masterpiece do Wim Wenders, fiquei ansiosa, coloquei o play e a hora que se passou depois foi da mais pura celebração. Terminei o filme e indiquei essa obra-prima para meus amigos. É isso mesmo, sei que você está lendo isso, Fernando, não via a hora de você ver o filme para discutir os detalhes com você. Para minha surpresa, ela foi esnobada pelo Oscar. Foi um ano difícil, compreendo, também com indicações para Melhor Filme Internacionais com filmes como Zona de Interesse (2023) e A Sala dos Professores (2023), foi um páreo super difícil.
Por aqui, já coloquei a playlist fenomenal que foi escolhida a dedo para compor a trilha sonora. Se quiserem dar o play para seguir a leitura, basta clicar abaixo:
Vamos então ao filme. A resenha diz: “Hirayama leva uma vida feliz, conciliando seu trabalho como zelador dos banheiros públicos de Tóquio com sua paixão por música, literatura e fotografia. Sua rotina estruturada é lentamente interrompida por encontros inesperados.”
OBS: ESSA RESENHA PODE CONTER SPOILLERS.
Hirayama é um homem de rotina, isso fica claro nos primeiros minutos do filme. Não confunda sua rotina com monotonia, observá-lo em cada cenário repleto de cores é fenomenal. Tão fenomenal que me perguntei se Wim Wenders tinha morado em Tóquio! Sem muitos diálogos, o filme compartilha o dia a dia de Hirayama, um zelador de banheiros na grande Tóquio. Não se engane, ele faz seu trabalho com prazer e excelência. Em suas horas vagas, exercita seus hobbies. Durante as idas ao trabalho, com o passar do filme, você fica curioso para saber qual será a próxima trilha sonora.
O papel de Hirayama veste muito bem Yakusho, o interessante é observar que mesmo com sua alegria de viver, ele se vê deparando com pessoas que não o veem bem assim. Além do preconceito que ele enfrenta, algumas figuras ignoram sua existência, como se o considerassem alguém inferior. A cena da mãe limpando a mão da criança perdida, me deixou triste, afinal ele é tão gentil e mesmo assim não foi reconhecido.
Ele tem sua van própria, suas próprias fitas e muitas fotos. Todos os dias parecem perfeitos. Apesar de cada adversidade, ele permanece em paz, colecionando suas fotos tiradas pelo caminho, seus livros comprados em sebos e passando suas sextas em um restaurante. Sua rotina é brilhantemente retratada, sem muitas falas e sem muitas sugestões.
Você se torna um espectador da vida de Hirayma, seu confidente silencioso, apreciando cada hora de seu dia, seja na brincadeira de jogo da velha ou seja, quando sua sobrinha o visita. O que me chamou atenção no filme foram as passagens em preto e branco sempre quando ele está prestes a adormecer, como se ele captasse para si mentalmente o momento mais importante do dia. A minha pergunta é, mas por que em preto e branco e não em cores?
O jovem senhor esconde algo? Ou quer nos dizer algo? Ele quer nos revelar que nem tudo é perfeito, que sua rotina é impecável? Seria a sombra uma forma de esconder suas imperfeições, medos e vaidades? Ou será que revela mais sobre nós mesmos? Nem tudo é perfeito, hã? Por mais bonito e cheio de cores que possa parecer. Temos trevas e luz em nós.
Se Hirayama é apaixonado pela luz e pelo contraste da luz nas árvores, com o sol batendo em seu rosto ou o vento, por outro lado, revela que a sombra é algo de que ele tenta se manter afastado. Revela medo do enfrentamento. Logo adiante, fica claro que ele fugiu de sua vida abastada para manter uma vida simples e controlável. Com sua vida fora dos eixos, as sombras ficam aparentes, o abismo olha de volta para você. Não é o que ele deseja para si.
A melhor parte para mim é quando Hirayama está numa ponte junto com um conhecido e eles conversam sobre aspectos da vida, ele se depara com sua sombra no chão e a sombra do outro. De repente, ele diz: “não há diferença entre as nossas sombras”. Talvez ele tenha compreendido afinal que as sombras fazem parte de todos nós, independente de quem somos, não há diferença.
Essa sua fixação com a luz nos conduz também ao belo. Contudo, o belo não pode ser encontrado também no intangível? O que nos conduz à luz não seria apenas um pequeno espectro, uma parte de nós mesmos? Tantas outras camadas perpetuam o filme, mas o contraste entre luz e sombra é o que fica mais evidente para o espectador.
Segundo Carl Gustav Jung, a sombra remete aquilo que nos foi negado, isso vem ao encontro do que o filme quer nos mostrar. O que reprimimos em nosso inconsciente nos leva ao que também estudou Freud. O lado da sombra é nada mais que o lado em que tentamos controlar, fazendo com que o mal seja esse eu escondido, um lado em que nós rejeitamos, principalmente em função do social.
O que Hirayama rejeita aparece para ele à noite em seus sonhos, por isso eles são preto e branco, afinal, ele não quer deixar transparente aquilo que o incomoda, aquilo que ele julga não ser bom. Mas essa perfeição que ele tende a procurar, ainda que seja nas pequenas coisas, não se revela só em suas fotos ou em seu trabalho, ela entra em contradição na cena final do filme, quando ele sorri, mas lágrimas correm em seu rosto. Fica evidente aqui que ele não pode controlar tudo que sente e esse sentimento de descontrole vem à tona. O incômodo final demonstra que seu inconsciente domina seu consciente, que a sombra tem esse efeito de dominar a mente sim, não somente a luz.
É claro aqui, que o mundo interno é cheio de nuances e complexidades, mais do que aparentamos. Os demônios do dia a dia não podem ser evitados por muito tempo, ora ou outra, eles dão as caras. o desconforto é mais uma forma de nos conhecermos, aceitar a dimensão desconhecida é uma maneira de lidar com as sombras, afinal nem sempre estamos em controle de tudo que nos cerca, que nem tudo pode ser compreendido é um bom começo para atravessarmos dilemas que enfrentamos.
Sempre estaremos passando por algo, assim como Hirayama. A sombra diz daquilo que reprimimos em nós, diz do desconhecido. Rejeitamos as sombras, queremos acolher apenas a luz. A vida revela esse paradoxo, muitas vezes, para fugirmos das sombras tentamos nos manter sob a luz, mas esquecemos que a sombra tem seu papel. Ela nos ensina a enfrentar a vida, não cabe a nós escolhermos viver apenas na luz, porque ela faz parte de nós, ela nos forma. Diz principalmente de nossas experiências. E você rabitter, tem alimentado mais sombras ou luz?
Espero que tenha gostado. AH, quase me esqueci. Se quiser saber mais sobre o filme, o trailer está aqui! BOM FILME!