Notas do Autor
Olá meu querido frequentador da toca do coelho, também
conhecido por Rabbiter 🐇🎩. Como vai você? Com as férias de meio de ano agora consegui descansar e adiantar algumas coisas. Uma delas foi esse texto que estou escrevendo já faz algum tempo. Confesso que eu tenho me divertido mais e apreciado com mais intensidade os pequenos prazeres da vida. Assisti alguns filmes agora nas férias e um deles que indico a você é Perfect Days(2023) do mestre Wim Wenders. Uma obra prima visual, com trilha sonora perfeita, e uma atuação emocionante do protagonista. Vocês podem encontrar esse filme disponível já na plataforma Mubi. Estou cheio de ideias para rascunhar e talvez agora comece a voltar a escrever com mais frequência. Tenho treinado mais escrever, e melhorar
minha escrita tecnicamente porque ela sempre foi bastante fraca. E com o tempo
que tenho tido disponível agora sinto que posso fazer de tudo! É como se eu
estivesse nos últimos anos “correndo com pesos acorrentados as pernas” e dificultando meu próprio
caminho. O que me fez retirar esses “pesos” foi a terapia que faço, e recomendo
a vocês fazerem também! Não tenham preconceito em ir ao psicólogo achando que
apenas vão: pessoas com transtornos psicológicos, todos nós temos nossos próprios
pesos acorrentados as pernas. Pesos esses que com a terapia pode nos ajudar a
tirar e tornar nossas vidas mais leve. O texto de hoje me veio à cabeça em 2022 em um vislumbre do trabalho de caridade que o Padre Júlio Lancellotti faz. Maravilhado com seu esforço incansável em ajudar pessoas em situação de rua e vulnerabilidade, me fez refletir sobre o porquê de atacarem uma figura tão generosa e altruísta. Fica aí minha homenagem e minha singela reflexão sobre o trabalho do Padre, e o que ele e Camus tem a nos ensinar. Uma ótima leitura a você e um ótimo dia. Até nosso próximo encontro!😊 👋🏻
Sísifo e seu criador Genial
Um dos filósofos que aprecio muito e me impacta bastante é Albert Camus (em francês se pronuncia Alber Cami). Extremamente ativista e militante Camus foi uma figura gigante em sua época! Era ensaísta, dramaturgo, jornalista, filosofo, romancista e militante situando-se próximo das correntes Libertárias. Ao longo de sua trajetória ele se envolveu em diversas causas sociais- humanitárias. Engajado desde sempre ele atuou como jornalista militante na Resistência Francesa.
Acima de tudo Camus foi um humanista, um desses gênios que absorve em profundidade a essência do que é viver. A Filosofia de Camus é o Absurdismo. É impossível entender sua filosofia sem entender sua trajetória como ser humano. Sua filosofia é extremamente congruente com sua vida e suas atitudes.
Camus testemunhou eventos catastróficos para a humanidade que o fizeram questionar o sentido das coisas: Desde a crise de 1929, a ascensão do fascismo e por fim os horrores da Segunda Guerra Mundial. Ele testemunhou um momento onde as pessoas perderam a confiança na civilização, na ciência, no intelectualismo, depois de ver o fracasso do que consideravam de mais elevado a sociedade ocidental. As pessoas da época ficam desiludidas, o mundo delas desabou e elas começam a ver uma falta de sentido na sua existência.
Dessa forma Camus cria uma filosofia condizente com a condição humana totalmente propositiva, um humanismo baseado na consciência do absurdo da condição humana e na revolta como uma resposta a esse absurdo. Para Camus, essa revolta leva o homem à ação e fornece sentido ao mundo e à existência. Daqui “nasce então a estranha alegria que nos ajuda a viver e a morrer”.
Já citei a metáfora de Sísifo algumas vezes aqui no blog, mas para quem não sabe do que se trata eu explico: Sísifo é homem condenado pelos deuses gregos a empurrar morro a cima uma pedra enorme e pesada. Ao chegar no topo do morro no fim do dia a pedra rolaria morro abaixo e Sísifo ficaria contemplando todo seu esforço ir por água abaixo, apenas para recomeçar novamente no outro dia. Assim por toda eternidade! Ai encontra-se o absurdo de Camus, a falta de sentido no esforço empreendido por Sísifo, um esforço gigantesco sem sentido.
Apesar de tudo, o Filósofo pede para imaginarmos um Sísifo feliz, talvez no momento em que ele solte a pedra, naquele momento e que ele se revolta.” É preciso imaginarmos um Sísifo feliz “. Naqueles poucos instantes em que ele a vê rolar morro abaixo, ali Sísifo é verdadeiramente livre e feliz!
Uma Reflexão sobre a Luta Perpétua contra a Miséria
Camus nos presenteou com a figura de Sísifo, uma metáfora marcante da condição humana e das batalhas incessantes que enfrentamos. No contexto brasileiro atual, o Padre Júlio Lancellotti emerge como um Sísifo Brasileiro, dedicando-se incansavelmente à causa dos excluídos e dos marginalizados em uma sociedade desigual e muitas vezes indiferente.
Camus compara a vida do homem a esse enfrentamento que os heróis gregos faziam aos deuses. Isso é tragedia grega. Uma luta gloriosa porem com a certeza de derrota no fim. Para o filósofo a falta de sentido da existência do universo nele mesmo e todo sofrimento que passamos é a tragedia humana. Isso é o absurdo de Camus: um esforço hercúleo empreendido sem propósito algum, condenados a sofrer a única solução para o homem é se revoltar. E nessa revolta ativa, agora consciente aí sim nasce a estranha alegria que nos ajuda a superar as mazelas e os horrores da existência.
Um Sísifo brasileiro.
Mas afinal quem é Júlio Lancellotti? E porque compara-lo a Sísifo? Júlio Lancellotti é pároco da igreja São Miguel Arcanjo, em São Paulo. Ele nasceu em 1948, é sacerdote católico e tem formação em pedagogia e teologia. Em seu currículo, já teve passagens como professor do ensino primário e universitário. Ele também é membro da Pastoral do Menor da Arquidiocese de São Paulo, segundo informações de sua biografia no site oficial da Paróquia São Miguel Arcanjo.
O Padre tem uma trajetória de atuação forte em ajudar pessoas em vulnerabilidade social nas ruas paulistanas. Na pandemia em 2021, uma imagem do padre com uma marreta em mãos, embaixo de um viaduto na Zona Leste da capital, viralizou. Na ocasião, ele quebrou blocos de paralelepípedos que tinham sido instalados pela gestão do então prefeito Bruno Covas (PSDB) como forma de impedir de moradores de ruas abrigassem o espaço(Arquitetura hostil). O pároco é conhecido por sua constante luta em favor de pessoas em situação de rua e vulnerabilidade. Alvo de constantes ataques por grupos políticos e figuras de extrema direita, Lancelotti mesmo sofrendo enorme pressão, não se deixa abalar e faz um trabalho hercúleo em favor dos marginalizados e oprimidos.
Em uma entrevista recente Padre Júlio afirmou que ele tem consciência de que sua luta é uma batalha ingrata, e que ele sabe que não vai provocar em vida a mudança que ele almeja, mas que mesmo assim ele continuará lutando. É essa consciência profunda de uma lucidez incrível que faz do P. Júlio um gigante! Assim como Sísifo, que persiste apesar das adversidades, Padre Júlio enfrenta obstáculos significativos em sua missão. A pedra que ele empurra representa a complexidade dos problemas sociais, desde a falta de moradia até a violência estrutural. Enquanto alguns preferem ignorar essas questões, o padre persiste, consciente de que sua tarefa é árdua, mas necessária.
A sociedade contemporânea, por vezes indiferente aos desfavorecidos, reflete a pedra que rola de volta, ameaçando anular os esforços empreendidos. No entanto, assim como Sísifo não desiste de sua tarefa, Padre Júlio continua a desafiar as estruturas injustas, buscando criar impacto e conscientização. Sua persistência se torna um chamado à reflexão, incitando a sociedade a questionar suas prioridades e a se engajar na construção de um mundo mais justo.
A imagem de Padre Júlio Lancellotti como o Sísifo brasileiro ressalta a importância da resistência diante das adversidades. Seja na luta contra a fome, a falta de moradia ou a violência, o seu exemplo inspira outros a não se renderem ao fatalismo, mas a continuarem a empurrar a pedra, a despeito das dificuldades. Afinal, assim como Sísifo encontrou significado em sua persistência, Padre Júlio nos lembra que a busca pela justiça é um ato de resistência que transcende o individual, moldando o futuro de uma sociedade mais inclusiva e solidária.
As coisas e até nos mesmos poderíamos não existir, entretanto NÓS AINDA ESTAMOS AQUI! Guiados por essa revolta contra nossos destinos, é que abraçamos a aleatoriedade da vida, suas imperfeições e as incertezas. Movidos por uma persistência feroz, nós encontramos enfim o sentido da nossa existência em aceitar a angustia de viver. Que sejamos inspirados por Padre Júlio o Sísifo brasileiro a combater o bom combate, mesmo já sabendo o final do nosso filme ! Encerro aqui o post de hoje com uma citação de outro grande Sísifo brasileiro, Darcy Ribeiro, que foi antropólogo, historiador, sociólogo, escritor e político.
Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.