SPOILER ALERT: Esse texto pode conter spoilers
Olá meus caros, muito bom estar de volta. Hoje vos trago uma reflexão de uma teoria que li acerca do meu queridinho do Wim Wenders, o Paris, Texas (que pode ser lida aqui). Esse não é um texto do tipo vanila, se finais felizes é o que espera ver por aqui, terei que decepcioná-lo. Essa vai ser um tema para outro post. Hoje, aqui haverá uma quebra de paradigmas, é isso aí! Uma ruptura com o “felizes para sempre“, vou mostrar aqui o outro lado da moeda.
Essa teoria denominada Amor Despedaçado, reflete exatamente o desalento que a figura do personagem Travis Henderson passou ao perceber que o amor entre ele e Jane, já não existia mais. A prova inegável de profunda felicidade entre os dois e seu filho foi registrada em uma Super 8, um sentimento concreto, tátil e real.
Esse mesmo sentimento, que vem a causar dor, outrora fora recíproco, afinal, Jane o tinha amado, até abandoná-lo. A “vida” ou melhor dizendo, as escolhas que se sucederam, tornaram essa realidade unilateral, gerando um comportamento dissociativo em Travis, que ficou por anos inconsolável vagando pelo deserto.
Todos nós em dado momento, seja para autopreservação ou para não encarar o sofrimento, temos um comportamento de rompimento com a realidade. Nesse filme Travis, teve sua capacidade de amar dilacerada de forma catártica, seu coração partido o deixou devastado por uma paixão que não conseguia abandonar. Do inicio ao fim, mesmo quando Travis confrontou Jane na cabine ficou claro, que ainda que tenha seguido em frente o amor por ela era vivido. Isso valida a tese que quero comprovar sobre a teoria do amor despedaçado.
A Teoria do amor despedaçado ocorre quando há uma ruptura, que é desfeita brutalmente por uma das partes, por ambas ou em decorrência de uma situação. O sentimento que existia era real, palpável e mútuo, mas teve um fim doloroso. A felicidade em algum momento esteve ali, mas se tornou apenas memória. Assim, o que o personagem sente e transmite ao telespectador é fruto de uma necessidade de garantia de amor infindável ou de um ideal romântico.
Agora, quero que permaneça com essa ultima ideia que apresentei, a teoria do amor despedaçado não é exatamente o oposto do que se espera de um final feliz pra sempre? Será que ser feliz pra sempre é de fato garantia de felicidade cotidiana? Bom, pelo menos esses filme que irei falar a seguir, tem um final aberto, um anseio por continuação, um gosto amargo da experiência recente. Acredito que seja exatamente essa sensação que o diretor queira provocar, amar talvez, não seja apenas uma questão só de timing, pode ser um estado condicional ou transitório, um conceito em construção constante.
Seja na forma da composição da cena ou até mesmo nas cores utilizadas pelo diretor, assim como nos objetos e detalhes que compõe o cenário, há uma intenção clara que passa a mensagem pra quem fica na poltrona. Essas nuances ditam a perspectiva e formam um conceito do todo, cada fração desse todo deixa para o telespectador pequenas migalhas de pão que ditam o vai acontecer, assim funciona o cinema. Várias camadas compostas individualmente que juntas formam o todo. Há inúmeros “Travis” e “Janes” no mundo do cinema e é sobre eles que vamos fazer referência hoje.
Começo pelo personagem de David vivido por Tom Cruise no filme Vanilla Sky(2001), um jovem milionário que acaba de se apaixonar por Sofia e vê seu mundo ruir depois de um acidente de carro, optando por viver um sonho lúcido, o que David experimenta é o que traduz um rompimento com o real. Afinal, o mel nunca é tão doce sem o fel certo? O Segundo personagem seria Charlotte vivido por Scarlett Johansson de Lost in Translation(2003), uma mulher recém-casada, infeliz e solitária que conhece Bob na expectativa de sair da sua inércia existencial, porém apesar da afetividade entre os dois cada um segue seu caminho. O terceiro personagem é Theodore de Her(2013) vivido por Joaquin Phoenix, assim como Travis viveu um relacionamento feliz, por um tempo, de coração partido pelo término começa a conversar com seu sistema operacional chamada Samantha e acaba se relacionando amorosamente com ela, que apesar de ter seus bons e mals momentos acaba inesperadamente.
Adele é vivida por Adèle Exarchopoulos em La Vie D’Adele(2013), ela conhece Emma e lentamente uma relação é construída, porém Adele acaba traindo Emma e apesar das tentativas de reconciliação, Emma não cede, Adele permanece sofrendo muito até o fim do filme. O Quinto personagem é Élio vivido por Timothée Chalamet em Call me by your name (2017), um jovem de 16 anos que mantém relações com Oliver, um estagiário de seu pai de 25 anos que passa um verão na casa da família, apesar do contato intenso, a relação dura um verão pra Oliver mas para Elio foi um pouco mais. A Sexta personagem é vivida por Noemie Merlant chamada Marianne e o filme é Portrait of a lady on fire (2019), uma pintora do século 18 que foi convidada pela família de Heloíse para pintá-la, as duas se envolvem, mas a família acaba desconfiando e mandando Marianne embora.
O sétimo personagem é Karol vivido por Zbigniew Zamachowski, o filme é Blanc (1992), sua esposa francesa pede o divórcio e torna a vida de Karol num verdadeiro inferno, ele mesmo muito apaixonado decide se vingar, mas no fim seu coração ainda pertence a ela. Agora, vamos para os penúltimos personagens, Charlie e Nicole vividos por Scarlett Johansson e Adam Driver em Histórias de um Casamento (2019), um casal com muito amor envolvido mas que em razão das circunstâncias se sentem massacrados pelo ego um do outro, ambos sofrem imensamente com o divórcio, mas continuam se amando. A última personagem é Su Lizhen vivida por Gong lI em 2046(2004), ela joga seu futuro e do amante nas cartas e perde, dando origem a mais uma história de corações partidos.
Todos os personagens apesar de histórias e características distintas tem uma coisa em comum, a consequência de terem seu corações partidos, ocasionando os encontros e posteriormente os desencontros. É por isso que a nobre sétima arte nos presenteia com as mais variadas visões, Essa visões, se assemelham a certas experiências que vivenciamos ao longo de nossas vidas e acaba por nos aproximar por associação. O cinema portanto, tem um papel importante de estabelecer uma conexão entre o telespectador e a trama. Uma ponte entre o real e o imaginário.
Um comentário