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O Oscar está aí e talvez um dos filmes mais importantes do ano tenha passado por você e você nem ter percebido, Ganhador da Palma de Ouro é sim um achado

Um porão úmido, ar rarefeito e luz escassa, quando eu me refiro à escassez falo da ausência completa e total de falta de perspectiva humana. O outro lado um paradigma, luz, ar e esplendor. Ambos coexistindo, competindo por espaço físico e mental, mas no fundo completamente interligados e dependentes um do outro. O filme Parasita traz à tona aquilo que não queremos enxergar e até onde se sabe, grande parte do mundo desconhecia essa realidade tão dura da Coréia do Sul.

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O interessante é que o filme retrata muito sobre moradia, sobre o que define uma qualidade de vida digna, sobre desigualdade social e porque não humanidade. As relações de trabalho também definem como as pessoas vão coexistir no mesmo espaço, algumas vezes com distanciamento, outras vezes com indiferença e preconceito.

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Uma família coabitando sobre condições mínimas de sobrevivência no subúrbio, um apartamento semisubterrâneo com vista pra rua, a renda provém da montagem de caixas de pizza, assim eles tentam ganhar a vida. Um amigo de Ki-Woo vislumbra uma nova realidade e assim a porta se abre e com ela novas oportunidades de uma vida nova surgem.

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O que muitas pessoas não sabem que ao longo da história daquele país, durante conflitos entre as Coréias nos anos 50, a Coréia do Sul ditou novas regras para a construção civil, abrigos como esses foram construídos como alerta ao caos que poderia ocorrer, uma previsão de segurança na iminência de um desastre. Em meados dos anos 80, com a crise imobiliária, as habitações nesses espaços foram legalmente aprovados, devido ao seu baixo custo e a realidade econômica de boa parte da população, assim os porões foram cada vez mais utilizados e é uma realidade cada vez mais comum naquele país.

Ki fica deslumbrado com a casa, a família aparentemente agradável e “ingênua” e com o passar dos dias ele percebe pode ajudar sua família. A partir de então cada ato é milimetricamente calculado, fazendo com que cada funcionário antigo fosse substituído por um membro da sua família sob identidades falsas, assim poderiam se enquadrar naquele estilo de vida completamente distante e porque não, parasita.

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Tudo ocorre muito bem como planejado, até que a empregada antiga aparece e um novo impasse surge, a família rica está em viagem e a casa em posse completa da família “parasita”, sem saber no porão da casa ali vive por quase 4 anos o marido dessa antiga empregada e a trama se desenrola a partir de então, torna-se dinâmica e ativa, as duas famílias pobres começam a competir por espaço para pertencer àquela realidade com padrões de vida superior. Dá-se o grand finale, levando ao caos, catarse, crimes e mortes. A eclosão desses três mundos que até coexistiam, coabitavam o mesmo teto, possuíam diferenças irreconciliáveis que refletem a desigualdade social escancaradamente.

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Os crimes seriam justificáveis no final das contas? O filme retrata a desigualdade de tal forma escancarada que você torce pela família canastrona e esperta, mas a pergunta que paira é, a criminalidade justifica a desigualdade social? Obra do capitalismo voraz. O estado cultural e estrutural está totalmente ligado a um estado de valoração e com ela a acessibilidade. Obviamente os integrantes da família pobre não ficaram impunes, no entanto a desigualdade social é sim uma mola propulsora da violência, o que não ficou tão obviamente explicito no filme, mas que pode ser percebido na cena final onde o gatilho foi o cheiro considerado desagradável do personagem Kim ligado diretamente ao seu status social.

Os ricos ora dependentes dos pobres, por necessitarem de sua mão de obra e dedicação quase escrava e os pobres por ansiarem uma vida de conforto e bem-estar. Algo não exclusivo tão somente na Coréia, mas que no filme é tratado com tanta veracidade que causa a sensação de aproximação a nosso próprio cotidiano brasileiro.

O filme traz consigo uma narrativa complexa com nuances em alívio cômico, o que é muito comum em filmes coreanos, até mesmo em momentos de tensão e seriedade. Apesar disso, o tom jocoso traz profundidade ao filme ao mesmo tempo em que preenche as lacunas de acidez que perpetuam na relação da família classe alta e as duas famílias classe baixa. Um reino pelos escárnios da nossa sociedade parasita. A câmera tem o enquadramento próximo e simétrico, uma quase cumplice perfeita de cada ato que se sucede. A fotografia impecável e a trilha sonora ocidentalizada e refinada nos padrões clássicos, o que reforça o distanciamento e ausência de pertencimento àquela realidade tão suntuosa.

A desigualdade social está presente durante o decorrer do longa, uma casa monumental, luxuosa e moderna em contraste com seu porão úmido e mofado semissubterrâneo. A família rica com padrões ocidentais, tanto física quanto na forma de interagir com o mundo. Em dado momento mais sexual inclusive, eles fantasiam a pobreza como sinônimo de algo vulgar e espúrio. Há também, em relação ao cheiro de seu funcionário como se isso fosse um definidor de caráter, ou melhor, como se referisse a ele a um ser inferior ou remetesse à pobreza, o que humanamente é inaceitável.

Apesar de ter elementos de drama em sua composição, o longa é considerado como um terror talvez porque retrate a realidade grotesca e inaceitável para uns, revela o desespero por aceitação e pela vontade de ter um espaço e vidas dignos.

Recomendadíssimo por explorar essa faceta humana, riquíssimo do ponto de vista social e belíssimo visualmente, uma obra prima perspicaz de 2019, vale muito a pena.

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Vanessa Paiva

Pós-Graduanda em Direito. Cinéfila de fim de semana, rock'n'roller por essência, cozinheira de todo coração e escritora nas horas vagas.

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