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Sinopse: A pessoa mais triste da Terra deve salvar o mundo dos perigos da felicidade.

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Hey, Habbitter! Como cês estão? Vi Pluribus na AppleTV+ esse fim de semana, depois de suscetivas críticas positivas a respeito dessa nova série do Vince Gilligan, sim! Ele mesmo, o famoso criador de Breaking Bad e Better Call Saul.

Óbvio que não poderia deixar de dizer que seu formato de direção e sua pegada sempre me pegam, afinal, Breaking Bad, por um bom tempo, foi minha série favorita. São séries visualmente muito bonitas e pouco explicativas; elas não te subestimam enquanto expectador e te prendem do início ao fim. Apesar de não ter terminado Better Call Saul (confesso), a atmosfera e o universo de suas séries do Vince dão aos personagens arcos únicos e cheios de profundidade, o que com certeza conquista quem está vendo.

Bom, chega de enrolação! Bora falar da série. Vou deixar o link aqui embaixo do trailer, lembrando que estão soltando os EP’S toda sexta-feira, então dá tempo de você acompanhar em real time. Está indo pro 5º EP, os outros 4 já estão disponíveis na plataforma.

ESTE TEXTO PODE CONTER SPOILERS

Sobre a série

Se você der um google, vai se deparar com o seguinte conceito: “Pluribus” é um termo em latim que significa “de muitos”. É mais conhecido por fazer parte da expressão “E pluribus unum” (“de muitos, um”), que já foi o lema dos Estados Unidos e simboliza a união de vários estados ou povos para formar uma nação única.

A série é uma ficção científica estadunidense, tudo se inicia sob a perspectiva científica, um vírus extraterrestre é rapidamente espalhado em todo o planeta. Carol, a personagem central da trama é uma escritora lésbica bem-sucedida e aclamada por seus romances. Romances esses que Carol considera um lixo. O primeiro ep passa rapidamente e já nele, Carol perde Helen sua parceira, as pessoas ao redor convulsionando e o caos se estabelecendo na pequena cidade em que viviam.

Contudo, uma nova consciência coletiva se instaura e todos parecem se direcionar a Carol como essa destinatária de atenção, os vizinhos agem como se a conhecessem, as pessoas na TV falam com ela. Carol, fica confusa e tenta entender o que está acontecendo. Enquanto lamenta a morte de sua pessoa no mundo e todo o caos a devora em seu redor, a trama evolui, prendendo sua atenção, se você pisca, perde todo contexto. Nem pense em pegar o celular, você pode perder momentos cruciais que o farão desejar pelo próximo episódio.

Essa série é assim, sem muitas explicações, sem muitas firulas.

E é nessa nova utopia, em que todos parecem estar “inclinados” a fazer de tudo para que Carol seja feliz (como eles). Basicamente, essa é a trama.

Contudo, essa consciência coletiva (que busca profundamente a felicidade de Carol), escraviza todos ao seu redor. Todos compartilham de todas as mentes e corações dos habitantes da terra, inclusive conseguem acessar a mente de Helen, parceira de Carol, o que torna tudo mais interessante.

O objetivo? Sim, eles têm um objetivo. Tornar Carol uma deles.

Cínica, ácida e rabugenta, Carol nega todo e qualquer contato com a “consciência”, mas aos poucos deixa-se levar por Zosia uma intermediária entre ambos. É por meio dela que Carol descobre que todas suas frustrações e sentimentos negativos reverberam consequências nas pessoas, elas convulsionam e podem até mesmo, morrer. Ela então entende que suas emoções estão intrinsecamente segurando a vida e morte de todos os habitantes do planeta.

Aos poucos, ela descobre que não está sozinha, existem outras pessoas no mundo como ela e ela tenta convencê-las de que a individualidade das pessoas merece ser devolvida, mas, com os benefícios de serem servidos, eles se negam a mudar essa realidade.

Cabe a Carol, então, salvar a humanidade da felicidade e alertar sobre os perigos de um mundo sem sofrimento.

O Fim da Autenticidade na Era da Parasitação Emocional

Essa série com certeza tem uma inclinação à crítica social e ao existencialismo; toda dinâmica está centrada numa narrativa em que o vírus é capaz de alterar não só os comportamentos, emoções e vínculos sociais, mas rearranja a sociedade numa consciência coletiva, que lembra muito um rebanho bovino em confinamento indo diretamente ao abate.

Apesar de seu aspecto apocalíptico e biotecnológico, a trama utiliza uma metáfora robusta das dinâmicas de poder na contemporaneidade, que exemplificam, principalmente, a dinâmica das redes sociais, como Instagram, por exemplo. A subjetividade, a emoção e a identidade tornam-se campos de disputa à luz da teoria social, especialmente com a Biopolítica de Foucault.

Aí você pergunta, “mas Vanessa, o que isso quer dizer?”

Vou contar um pouquinho pra você, mas, pra não me delongar muito, vou ser bem rápida.

Foucault denominou Biopolítica como uma estratégia de controle dos corpos das populações por meio de mecanismos biológicos, esse poder é exercido pelo Estado e convertido em ações como instrumento político de submissão. Nesse caso em específico, o vírus é o dispositivo biopolítico que internaliza na consciência coletiva ou população infectada a felicidade, administrando suas formas de viver, atravessando suas existências e atingindo seus corpos e mentes.

A felicidade como instrumento biopolítico em PLURIBUS, tal como descreve Foucault, se manifesta não pela repressão, mas pela produção de sujeitos que desejam aquilo que os torna governáveis. O vírus passa a conduzir os afetos, transforma a felicidade numa tecnologia de controle, convertendo a ação dos sujeitos em algo que pareça ser “natural”.

Nesse sentido, Eva Illouz em Happycracia: Fabricando cidadãos felizes fala sobre a mercantilização da felicidade, que deixa de ser um sentimento espontâneo e se torna normatividade. Em PLURIBUS, o vírus é um parasita que congela a sensibilidade, os afetos são manipulados, redistribuídos e explorados como recursos para convencer Carol de que deve se tornar um deles.

A partir dessa ótica, a série pode ser vista como uma metáfora que introduz formas contemporâneas de controle e subjetivação e, não só isso, retrata como a organização social e suas normas estão intrinsecamente ligadas à própria vida biológica. Os seres humanos, nessa ótica a partir de Foucault, não passam de um objeto de gestão, totalmente manipuláveis e controláveis, modulados não apenas por seus corpos, mas também criando um novo fluxo social.

Resultado, a psicopolítica penetra não só nos desejos e emoções, mas corrói a autonomia e dilui a autenticidade, reforçando uma lógica parasitária que estrutura a série. Nesse sentido, Bauman, alertou em Modernidade Líquida os perigos de uma disseminação viral marcada por identidades frágeis, vínculos instáveis e medos difusos que tornam o sujeito mais vulnerável.

O vírus, portanto, funciona como alegoria totalizante da subjetividade contemporânea, capturada por dispositivos que parasitam o corpo, a psique e os vínculos sociais numa estrutura de poder que confere a ideia de epidemia, mas a que custo? Através dos próprios indivíduos afetados, reorganizando o coletivo segundo lógicas exteriores ao desejo individual.

Mas por outro lado… Não seria essa uma lógica neoliberal disfarçada de autenticidade?

Em Pluribus, Carol é colocada como uma vítima a partir da lógica da ascensão das massas. Será que ela sente que precisa libertar a sociedade desse vírus parasitário, ou será que essa não é uma expressão do neoliberalismo em sua forma mais que acabada?

Quando Carol manifesta seu desejo e disposição de resgatar o individualismo diante do colapso coletivo, acaba por refletir como o neoliberalismo radicaliza a lógica de racionalidade, afinal, nessa nova realidade que se apresenta, o mundo não tem sofrimento, não há violência e nem criminalidade. Isso nos leva a questionar se isso não é uma crítica à lógica marxista? Vou explicar meu ponto.

A narrativa desloca o foco da coletividade para o individualismo radical, não uma construção de luta de classes ou de luta coletiva significativa, mas há o personagem central (Carol) agindo em prol de seus próprios interesses e bem-estar pessoal.

O vírus da felicidade enquanto metáfora evidencia como a autenticidade e o bem-estar se tornam ferramentas de autoprodução permanente. É preciso entender que a autonomia individual exacerbada, levada ao seu limite, também pode ser um caos, e dentro dela, a vida também não se sustenta, uma vez que, nessas condições, o mundo se esgota e se precariza, como podemos ver no modelo capitalista atual.

Essa explosão coletiva manifestada pelo vírus da felicidade, se pensada pela ótica da teoria das massas, é uma reivindicação que pode ser encarada pelo modelo capitalista atual como politicamente perigosa.

Dessa forma, o vírus, por um lado, dissolve o ser neoliberal hipercompetitivo, ressentido e ansioso. Ele força Carol a se unir a um “corpo coletivo”. Contudo, o conceito sugerido pela série é que esse coletivo não se manifesta de forma democrática ou emancipatória, mas sim sob uma ameaça apocalíptica e extraterrestre, quase absurda. Eles tomam o poder, acabam com a ordem vigente estabelecida, acabam com os governantes.

A ideia de usar um parasita para tornar os indivíduos emocionalmente suscetíveis e submissos, movidos por afetos compartilhados, reforça a premissa de que não há coerência ideológica e sim um contágio emocional, com autonomia coletiva e perda da autonomia individual.

A série não celebra as massas, ela celebra o medo. A autenticidade pela perspectiva de Carol revela uma personagem que parte da pulsão de morte simbólica da autenticidade, sofrimento, descontentamento e pela dor. Essas características são predominantemente humanas (totalmente válidas), obviamente, não podem ser abandonadas, mas incutem a ideia que a ideologia é perigosa, que por isso as pessoas precisam ser salvas, já que não pensam por si mesmas e não tem poder escolha ao adentrarem nessa consciência coletiva.

O roteiro da série deixa claro que a manifestação da coletividade não é um movimento político consciente, emancipatório e tampouco solidário, ele é enclausurante e escravizante, por isso esse “vírus” é um mal que precisa ser combatido, assim como discursos de massa ou populismos. Assim, PLURIBUS descentraliza o sujeito coletivo, mostra a fragilidade da consciência de classe, subestima o peso do individualismo e da ideologia contemporânea, sugerindo que a ascensão das massas não é inevitável e deve ser contida.

Isso nos leva a pensar sobre a ascensão da direita pelo mundo

Vimos que a ascensão da direita no mundo tem refletido uma combinação de crises econômicas, medo cultural e desconfiança nas elites tradicionais. Vivemos em contextos de recessão, desemprego e desigualdade crescente, parte da população se volta para soluções rápidas e líderes populistas, buscando respostas simples para problemas complexos. O avanço da direita, muitas vezes, explora ressentimentos individuais e coletivos, reforçando a narrativa de que apenas medidas autoritárias podem proteger a segurança econômica e cultural das pessoas.

Nos Estados Unidos, o fenômeno se manifestou de forma clara com a eleição de Donald Trump, cuja campanha capitalizou o nacionalismo, a proteção econômica e a resistência à imigração. Diferente da lógica marxista, que mobiliza a classe trabalhadora por interesses coletivos, o populismo de direita americano foca na identidade cultural e valores tradicionais, mobilizando emoções e medos individuais. O uso estratégico das redes sociais intensificou a fragmentação da população e a polarização política, favorecendo a consolidação do poder sem mudanças estruturais profundas no sistema econômico.

Na Alemanha, o partido Alternative für Deutschland (AfD) exemplifica a ascensão da direita em resposta à crise migratória e à percepção de ameaça à identidade cultural. Setores da classe média e operária, sentindo-se abandonados pelas políticas tradicionais, se alinharam com propostas nacionalistas e anti-imigração. Assim, a direita mobiliza massas explorando sentimentos de insegurança e medo, em vez de promover consciência de classe ou luta coletiva, como propõe o marxismo, mostrando que fatores culturais e emocionais podem ter papel central na política contemporânea.

Outros países, como Brasil, Hungria, Polônia, Itália e França, seguem padrões semelhantes. Líderes populistas de direita se apoiam em nacionalismo, conservadorismo e políticas identitárias, manipulando emoções e valores culturais para conquistar apoio popular. A estratégia não é redistribuir riqueza ou mobilizar economicamente as massas, mas reforçar laços simbólicos, polarizar a sociedade e manter o sistema econômico intacto, enquanto conquistam hegemonia política e cultural.

Em síntese, a ascensão da direita contemporânea confirma que a mobilização das massas não depende apenas de exploração econômica ou consciência de classe, como prevê o marxismo. Pelo contrário, ela mostra que individualismo, identidade e manipulação ideológica são instrumentos poderosos para consolidar poder político, mantendo a estrutura econômica e social intacta.

Por isso, essa lógica de Pluribus, que demonstra como a subjetividade e os desejos individuais podem neutralizar qualquer ação coletiva em direção à emancipação social, moldando comportamentos e reforçando a perpetuação do sistema, é exemplificada na série pela forma como os personagens priorizam interesses pessoais e satisfazem seus desejos imediatos, mantendo as estruturas de poder e desigualdade intactas, sem qualquer movimento coletivo capaz de transformá-las.

A série tem inúmeras facetas e pode ser interpretada de diversas formas, esse paralelo que fiz indica apenas algo que consegui identificar e achei que fazia sentido ser observado. Espero que tenham gostado do texto! A série tem sido bastante aclamada pela crítica, vamos ver quais serão os próximos capítulos, afinal são apenas os primeiros!

Até a próxima!

Vanessa Paiva

Pós-Graduanda em Direito. Cinéfila de fim de semana, rock'n'roller por essência, cozinheira de todo coração e escritora nas horas vagas.

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