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Notas do Autor

Olá meu querido leitor! Aqui vos retorna seu saudoso escritor Fernando! Há quanto tempo heim?! Mês que vem completará 2 anos que não escrevo nada no blog. É a maior ausência que já tive, e tive alguns motivos para isso. Mas em resumo é que precisava cuidar de mim! Precisei tomar atitudes e provocar mudanças e me colocar numa situação em que quisesse escrever novamente, estava desanimado. Até rascunhei um post inteiro quase pronto em 2023. Porém o site foi atacado por boots que publicaram inúmeros posts de spam, e ao apagar essa centenas de posts eu infelizmente apaguei meu rascunho quase pronto. Eu decidi escrever mais nas notas do autor, como historiador eu dou muito valor ao contexto e os paratextos produzidos pelos autores das obras que vejo, acho justo fazer o mesmo aqui! Um texto ele tem alma, ele tem um contexto e uma história de porque ou por quem ele foi produzido! Esse contexto muitas vezes nos conta até mais do que a obra em si mesma. O post de hoje é uma reflexão que tem se feito presente bastante na minha vida. Não é segredo para ninguém que lê este blog que este que vos escreve ama Nieztsche e tem ele como filósofo favorito. Amor fati ou amor pelo destino é um conceito que já abordamos aqui no blog em outros posts. Amar a vida como ela é, em cada detalhe, até mesmo nas tristezas e nas imperfeições. É algo difícil para nós que vivemos uma vida de idealizações pré-concebidas até mesmo antes de nascermos. Sempre me indicaram o filme Questão de Tempo(About time 2013) e só fui vê-lo agora. Amei o filme, não só de uma perspectiva cinéfila de apreciador da sétima arte, mas também como alguém que gosta de filosofia e ama escrever sobre assuntos profundos! Então sem mais delongas, o post de hoje é sobre o filme que trata do tema: Amor fati!
Preciso dizer que em Julho o blog faz aniversário de 6 anos!🥳🎂 São seis anos incríveis. Quero agradecer aos colaboradores e cada pessoa que editou ou chegou a publicar textos seus aqui. Saibam que sempre terão minha gratidão e que seus textos ficarão aqui eternizados enquanto eu puder manter o site no ar! Muito obrigado a vocês Vanessa, Stael, Gabriel, Rafael e minha Mamãe(minha melhor ouvinte, redatora e leitora)!O Alemdatoca nunca seria o que é sem vocês terem passado por aqui! E por fim, o obrigado mais importante, a você! Obrigado a você que nos acompanha por aqui, que compartilha nossos textos, que nos deixa um feedback! Tudo isso só tem sentido por causa de você quem lê. Muito obrigado!🎉🕳️ 🎩🐇🎉

🚨 ALERTA!! AVISO DE SPOILERS!!!⚠️ O texto contém spoilers sobre o filme Questão de tempo (About time, 2013) . Se você não quiser tomar spoilers pare de ler por aqui.

Uma comédia romântica? Ou uma obra prima filosófica?

Questão de tempo (About time, 2013) é um filme criado e dirigido por Richard Curtis. Esse detalhe do diretor e o roteirista serem a mesma pessoa é importante! Porque ele permite que o que é mostrado em tela seja igualzinho ao que foi planejado por quem escreveu o filme! Nesse caso, Questão de tempo é em parte uma auto-biografia e um lindo recado de Curtis para ele mesmo! Quem nunca pensou pelo menos uma vez na vida : E se eu pudesse voltar àquele dia e agir diferente? E se eu pudesse dizer o que não consegui dizer na hora? Questão de tempo é facilmente tomado por uma comédia romântica. Mas o filme vai muito alem disso! Se você assistir apenas sua primeira metade, vai estar satisfeito com uma comédia romântica bastante leve e divertida, porém um filme incompleto. Aí entra a segunda parte do filme, que para mim é o que o torna brilhante!

Questão de Tempo (About time no original) de 2013 é um filme não só leve e divertido, mas também despretensioso que passa uma reflexão profunda.

Jovem, excêntrico, desajeitado e romântico

Com as qualidades do título, Tim (Domhnall Gleeson) é um jovem de cabelos ruivos que ao completar 21 anos é chamado por seu pai para terem uma conversa que mudaria sua vida para sempre. Tim, tem uma familia excêntrica e muito unida que mora em Cornwall. Uma cidade costeira bastante bucólica e pacata da Inglaterra. Sua mãe é descrita como severa e séria, seu tio Desmond sempre alinhado e impecável no seu terno, com sua cabeça nas nuvens. E sua irmã completamente excêntrica e expansiva a Katy ou Kitkat, a quem ele ama de paixão. O pai de Tim interpretado brilhantemente por Bill Nighy, após o Reveillon o chama para conversar. Ele então conta o segredo: os homens de sua familia poderiam viajar no tempo, mas não uma viagem ao futuro ou a um passado longínquo, só podiam voltar em dias ou lugares em que conheciam e com isso alterar suas vidas. Para fazer a viagem era muito simples, tudo que precisava-se fazer era ir para um lugar escuro, fechar os punhos e concentrar no momento e lugar que queria voltar e pronto! Após constatar que era verdade, Tim tem uma conversa com seu pai de como ele usou as viagens e que uso poderia fazer delas. Seu pai disse que usou as viagens para ler inúmeros livros, leu tudo que um homem poderia querer ler na vida umas duas vezes. O pai de Tim recomenda que use as viagens para melhorar a vida, realizar as coisas que mais queria sem tentar buscar a riqueza, porque isso havia levado o pai dele a ter uma vida triste e vazia. É interessante notarmos que o diretor não quis inventar justificativas plausíveis ou sofisticar a viagem no tempo para que nós espectadores concentrássemos o máximo nos motivos e nos resultados da viagem, não na viagem em si. Não posso deixar de ressaltar que, é impressionante como tudo é conduzido de forma bastante minuciosa condizente com a mensagem do filme.

Tim, resolve usar sua recém descoberta habilidade para arranjar o grande amor de sua vida. Ele rapidamente descobre que nem todas as viagens no tempo poderiam fazer alguém se apaixonar por ele, se a pessoa realmente não estivesse inclinada a isso! O filme é de uma leveza, uma irreverência enorme, combinando bastante com a personalidade desajeitada e excêntrica de Tim. Ele se muda para Londres onde conhece seu grande amor, Mary( Rachel MacAdams) num encontro às escuras. Tudo é encantador e apaixonante nesse primeiro encontro às cegas. A espontaneidade de realmente estarem nervosos e tímidos e a surpresa ao se verem pela primeira vez às claras é evidente. Porque, afinal, haviam criado uma expectativa sobre quem seria aquela pessoa tão bacana que estavam conversando no escuro? Seria feia? Seria bonita? Eu acho que a cena deles se despedindo e de Mary virando pra trás para dar aquele último olhar mostra uma delicadeza enorme! Tim corresponde o olhar, e vemos ali que existe uma conexão! Uma excelente interpretação dos atores que tiveram uma química excelente, aliás no filme. Quantas vezes nós vivemos um momento e temos consciência de que aquele momento é especial? Existem esses momentos mágicos de um elevado estado de felicidade que sabemos que sentiremos saudades deles no futuro, na mesma hora que estamos vivendo eles. Esses momentos ficam gravados em nossa memoria!

Tim então vai usar suas viagens no tempo para conquistar Mary, isso gera cenas engraçadas já que ele e espontaneo e desajeitado. E o filme poderia acabar no casamento de quintal deles lindo, com Mary entrando na igreja ao som de Il mondo do Jimmy fontana. Se o filme acabasse nessa primeira metade, Questão de tempo teria sido uma comédia romantica gostosinha, porem incompleta. Então entra a segunda parte do filme que é a cereja do bolo. Tim descobre que suas viagens no tempo tem efeitos borboleta, como por exemplo mudar quem é seu filho com Mary.

Ja era hora!

A segunda metade do filme então vira uma profunda reflexão, sobre o título do filme. About time traduzido do inglês significa literalmente Questão de tempo, mas também é uma expressão que significa: Já era hora. E sobre o que já era hora? Já era hora de falarmos sobre a morte! A experiência do existir é fantástica

e ela só tem sentido porque ela é finita. O filme aborda o tema de forma muito sensível e delicada. O pai de Tim contrai um câncer e não consegue voltar no tempo para mudar isso, porque ele começou a fumar muito antes dos filhos nascerem. Fazer a viagem no tempo mudaria o momento da concepção do bebê e mudaria os filhos, então aí é revelado o motivo pelo qual ele aos 50 anos de idade se aposenta na universidade, para passar tempo integral com seus filhos.

Na iminência inevitável da morte o pai de Tim escolhe abraçar seu destino, escolhe não voltar no tempo e parar de fumar para viver mais, mas escolhe acima de tudo viver a vida com os filhos que a vida lhe deu e ele os ama profundamente. Esse amor é visto na última viagem de Tim ao passado quando ele pergunta ao pai se havia um último desejo. E havia! Não de mudar o passado, mas de reviverem um dia maravilhoso onde ele levou Tim na praia criança para jogar pedras na água e brincarem juntos. Mesmo diante da tragédia, mesmo sabendo do final trágico em que ele morre de câncer ele escolhe viver e aproveitar aqueles a quem deixou os mais significativos laços nesse mundo.

Nietzsche o filósofo da coragem

Não é segredo para ninguém que acompanha esse blog o quanto Nietzsche é significativo para mim, o quanto sua filosofia e ideias permeiam e influenciam meus posts.
Não é por acaso que tatuei um dos seus conceitos filosóficos chave Amor fati.

” É minha escolha: ou sofrer ou gozar. Para onde me conduzirá o sofrimento? Ao nada; e, no entanto, sofri. Aonde me levará o prazer? Ao nada; e, no entanto, gozei. Minha escolha assim ,está feita meu senhor. ” Victor Hugo em Os Miseravéis.

Amar a vida como ela é, em toda sua fatalidade, em cada imperfeição e tristeza é algo extremamente difícil, que requer coragem! Nietzsche nos convida a amar a vida com todas suas tragédias, desencantos e imperfeições e até mesmo o sofrimento porque é isso que nos torna reais! Existir é experimentar essa salada de emoções do doce ao amargo, do choro de alegria ao ranger de dentes desespero. Aceitar e se permitir viver cada emoção em sua totalidade o que torna ela tão linda e magnífica é sua brevidade, sua irrepetibilidade como a mensagem que o filme questão de tempo nos passa é: Não podemos voltar no tempo como Tim para mudar o que aconteceu, nem para aproveitar os dias em cada detalhe que antes
passamos despercebidos, como o próprio Tim vai concluir estamos todos viajando no tempo, todos vivendo cada dia uma única vez em seu ineditismo. É por isso que existe momentos em que sabemos que estamos felizes e vamos sentir saudades desse momento no futuro, porque ele vai virar lembrança e lá vai ficar, não vai se repetir, não da mesma forma. Amor fati não é sobre resignação passiva, mas sobre uma aceitação passiva pelo contrário: é sobre um acolhimento amoroso por tudo aquilo que fez e faz parte da nossa vida porque é isso que nos molda nas camadas mais profundas do nosso ser, é isso que nos torna REAIS! Nós poderiamos ser perfeitos, mas a perfeição não existe! Porem nós existimos! E é justamente nessas imperfeições que existe a beleza do existir, do ser do viver.

Talvez a nossa existência seja finita porque, na infinitude, perderíamos nossa humanidade. Viver é experimentar e significar o luto todos os dias, seja ele simbólico ou não. Estamos todos os dias vivenciando uma perda, lutando uma batalha heroica e trágica, que, no final, vamos perder. Mas talvez perder em definitivo seja a solução mais humana de todas. A morte é o que define a humanidade, pois sem a morte nos tornaríamos frívolos, indiferentes, apáticos, sádicos e cruéis, como um ser que viveu por várias existências vendo todos a quem amou partir ou morrer. Esse ser, vivendo incontáveis eras vendo a existência mudar, assemelhar-se-ia a o que? Uma besta ou um ser divino?

PS: a linda arte da capa do post foi feita por uma artista brasileira Isadora seu twitter é @zadorana_

Fernando

34 anos, Professor, Historiador, Gosto de Jogos, Escritor. Fascinado pelo universo Geek e Pop. Leitor, fã de música e cinéfilo. Nas horas vagas quando não estou entregando a dama no xadrez eu escrevo aqui neste blogzinho! Instagram @ferthenando18 bluesky @ferthenando.bsky.social