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“Este mundo, que é o mesmo para todos, nenhum dos deuses ou dos homens o fez; mas foi sempre, é e será um fogo eternamente vivo, que se acende com medida e se apaga com medida”

Olá Rabitters, tudo bem com vocês? É sempre um prazer recebê-los nesse pequeno e humilde blog, e vocês já devem estar se perguntando o que raios é essa frase aí logo acima, pois bem! Essa citação pertence a Heráclito de Éfeso, um importante filósofo grego que viveu entre os séculos V e IV A.C., e ele é conhecido por ser o filósofo do “panta rei” (“tudo flui”), uma filosofia pré-socrática que, como veremos a seguir, está preocupada em conhecer a natureza e explicar o funcionamento dela, muitas vezes se valendo de elementos primordiais que davam forma a todas as coisas conhecidas no mundo. A filosofia de Heráclito é também conhecida pelo nome de Filosofia do Fogo, e hoje iremos falar dessa filosofia e traçar algumas relações com algumas questões mais atuais, como a noção de identidade e as relações de dualidade encontradas no mundo. Este post será a parte 1 de mais partes em que abordaremos a filosofia do fogo, fiquem ligados nos próximos!

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Heráclito de Éfeso, o Pai da Dialética

A Filosofia do Fogo

Heráclito nasceu em uma região da Grécia chamada Jônia (atual Turquia) e, em sua vida foi lembrado por ser um indivíduo destoante dos seus semelhantes, os efésios, por desferir tantas críticas à civilização grega e ao materialismo de sua sociedade. Ele também ficou conhecido pela alcunha “O Obscuro” por expressar a sua filosofia por meio de paradoxos e aforismos (frases enigmáticas de difícil compreensão que em poucas palavras explicam um conceito filosófico). Ao que parece Heráclito não gostaria de ser entendido por qualquer um, ou ele usava isso para chamar a atenção das pessoas, afinal ele pregava isso na Ágora, competindo com outros comerciantes e profetas.

Heráclito foi um dos mais influentes filósofos gregos anteriores a Sócrates que, tal como seus semelhantes, se ocuparam de indagações filosóficas que apresentavam certa semelhança entre si, mesmo separados por grandes espaços e tempos diferentes. Esse importante grupo de filósofos, que ficaram conhecidos na posteridade pelo nome de pré-socráticos buscavam um maior entendimento do mundo à sua volta, em especial a arqué, o elemento primordial do qual todo o universo se criava. Podemos citar os exemplos de Tales, que dizia ser a Água o elemento criador; Anaxímenes dizia que este era o Ar; para Xenófanes, era a Terra; já Anaximandro não atribuía a nenhum elemento básico da natureza o fato dele criar todo o universo, mas sim o ápeiron, o vácuo do universo. Para Heráclito, no entanto o elemento criador era o fogo, do qual toda sua filosofia está baseada.

O Fogo é, dos quatro elementos primordiais consagrados pelos antigos gregos, o elemento que representa bem a mudança, pois a sua existência surge impetuosa e tão logo ele surge, já se consome e, dele só é sobrado as cinzas. O fogo pode ser mais mutável que a água, pois só é possível vê-lo enquanto ele está aceso e em movimento bruxuleando pelas sombras da noite enquanto uma chama viva. O Fogo se encaixa perfeitamente em vários conceitos de sua filosofia, como o fluxo, a mudança e a dualidade. Nesse sentido a Heráclito é atribuída a sua mais famosa frase: “Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio, porque nem as águas nem nós somos os mesmos.”

Fluxo e Identidade

Um dos conceitos mais importantes e lindos de Heráclito é o fluxo. O fogo também está em constante fluxo, dependendo de qual ângulo você o olha ele está de um jeito diferente. Só faz sentido pensar em fogo se ele estiver em movimento: não existe fogo parado, pois essa energia pulsante é viva assim como toda a vida. Para Heráclito tudo está em um fluxo contínuo, que ele chamou de Devir (vir a ser), existindo e passando por mudanças o tempo todo, um dos exemplos mais claros é o da nossa própria existência: nascemos bebês e vamos envelhecendo com o decorrer do tempo. O próprio tempo nos dá uma ideia de um eterno fluxo contínuo, como se estivéssemos sendo arrastados por esse fluxo em direção ao futuro.

O fluxo é uma das questões mais importantes na filosofia do fogo porque, ao mesmo tempo que ele cria identidades, ele também as destrói; é impossível falar em identidade sem falar em fluxo. O próprio desenvolvimento do nosso corpo funciona de uma maneira parecida: a maior parte de nossas próprias células (exceto as neurais e cardíacas) formam-se e se morrem a todo momento, e se renovam por outras, até eventualmente morrermos, pelo efeito do tempo. Em um nível mais profundo, estamos adquirindo a todo momento novas crenças e abandonando outras antigas, então o que define quem é você?

Existe um paradoxo famoso que é chamado o Paradoxo do Navio de Teseu.  Conta a história que o heroi grego Teseu, após ter matado o famoso Minotauro na ilha de Creta, retornava a Atenas de barco, e ao ter iniciado a sua viagem, o barco estava recém construído e em perfeitas condições. Entretanto, durante a sua viagem de volta a casa acontecia de algumas partes dos navios, como a madeira, as velas e os remos estragarem e precisarem ser substituídas por novas partes, e assim o navio foi sendo continuamente modificado até que, finalmente, nenhuma parte dele era a mesma da original. Assim, eu pergunto a todos vocês,  o navio de Teseu, ao iniciar a sua viagem, era o mesmo que retornou após tantas modificações?

O relativismo

Outro conceito fundamental interligado na filosofia de Heráclito é o relativismo. Mas, ao dizer que as coisas são relativas, Heráclito não quer dizer de forma nenhuma que as coisas são de qualquer modo e sim que as coisas são relativas às outras. Desse modo, como haveria frio se não houvesse o calor? Ou como haveria a luz se não existisse a escuridão? Dentre tantos exemplos possíveis, podemos dizer que o conceito da dualidade não era algo exclusivo do pensamento de Heráclito, pois ele também já era conhecido pela cultura chinesa milenar do Taoismo chamado de Ying e Yang.

Ying e Yang representam a dualidade do mundo, os contrários e os opostos e, acima de tudo, o equilíbrio que existe entre eles. Água e Fogo, Sol e Lua, Passivo e Ativo, Doce e Amargo, Som e silêncio, Luz e Escuridão, Bem e Mal. Para Heráclito os opostos não eram necessariamente bons ou maus, mas necessários para haver um equilíbrio entre as coisas. Todavia, como Heráclito era um filosofo paradoxal, ele acreditava que o equilíbrio perfeito se encontrava na tensão: no atrito, na guerra, no embate.

“Todas as coisas estão em um fluxo. O fluxo é  a medida em comum, ou o princípio racional encontrado em todas as coisas. Esse principio (é a razão harmônica por trás de toda a mudança) liga os opostos juntos em uma tensão única. E esta tensão, que é a mesma da lira, produz um adorável som harmonioso. A harmonia emerge desta tensão dos opostos, e ela é como a corda que une  o arco e a flecha.” Heráclito

Ao afirmar que a guerra é a mãe de todas as coisas, Heráclito está dizendo que é apenas através do conflito e do debate que se criam as coisas, e que ao remover o a tensão e o atrito o mundo está morto. É preciso haver um debate saudável, uma luta e uma discordância até um certo ponto, para haver equilíbrio. A democracia com seus pesos e contrapesos está embasada em cima dessa filosofia, pois supostamente o poder se alterna a cada eleição e o que era base vira oposição e o que era oposição vira base, um fiscalizando o outro e cada um imprimindo suas ideias de modo que beneficie a população de modo saudável, mas entre a teoria e a pratica há uma abismo não é mesmo?

O atrito é necessário ao processo criador, é somente no atrito da água e da rocha que se esculpem as falésias, é somente entre o atrito do martelo e da bigorna que o metal consegue ganhar forma. Curiosamente até mesmo o fogo só é feito com fricção! Um dos mistérios dos aforismos de Heráclito é que eles são feitos de forma paradoxal e em camadas de entendimento das mais rudimentares até as de nível mais metafísico: assim, quando Heráclito diz que o fogo é o elemento base do universo, será que ele estava se referindo mesmo ao fogo? Ou talvez ele tivesse a ideia de fogo como energia? (se pensarmos bem, fogo e energia tem uma ligação direta: toda relação de combustão produz energia) Se pensarmos em química básica, energia é usada para converter todas as partículas do universo, ao alterarem sua estrutura, e todas as partículas ao mudarem, de certa forma liberam energia! Isso explicaria uma famosa citação de Heráclito:

” O fogo pode ser convertido em todas as coisas, assim como bens por dinheiro e dinheiro por bens.”

Há vários exemplos  que podemos usar para confirmar os aforismos de Heráclito, como o fato do sol ser uma estrela que está queimando hidrogênio e fazendo fusão nuclear o tempo todo, e é isso que libera energia. Esse exemplo não só confirma a analogia de fogo e de energia, mas também a ideia de fluxo em que o sol está em uma mudança constante, afinal, daqui a 7,5 bilhões de anos o Sol vai deixar de existir. Heráclito não tinha o nosso conhecimento moderno de química e física nuclear, mas só dele ter noção dessa ideia há 2600 anos atrás realmente faz dele um  indivíduo ímpar e acima da curva. Eu sempre tive uma admiração por ele, não é atoa que meus pseudônimos nos jogos que jogo tem “flux” no nick, e inclusive meu primeiros pseudônimos todos tinham correlação com sol haha.

É engraçado pensar que a vida segue esse fluxo, ele fica evidente ao observar as quatro estações do ano. Há momentos de fartura e também de escassez. Um amigo meu me ligou ontem reclamando de que várias coisas ruins haviam acontecido a ele ao mesmo tempo, coincidentemente, várias coisas boas estão em trânsito em minha vida ao mesmo tempo! Ironicamente, nessa mesma época em novembro do  ano passado, eu estava depressivo, fazia tempo que estava frustrado e as coisas continuavam dando errado todo o  tempo! Uma maré de azar e desventuras em série. Enquanto estivermos vivos estamos presos a esse fluxo, estamos presos a essa eterna alternância dos opostos. E como Heráclito mesmo diz, talvez a verdadeira sabedoria se encontre em extrair o máximo possível dos momentos ruins como aprendizagem, e usar esse conhecimento adquirido sabiamente nos momentos de bonança. É isso, a sabedoria da  vida se encontra em saber que nem a escassez, nem a abundância perduram para sempre. Então há uma necessidade, assim de ser como a formiga na fabula de La Fontaine: é preciso se preparar no verão para o inverno e entender que nem um nem o outro perduram, e que apenas a mudança é constante, assim como o fogo.

“Nada permanece exceto a mudança.” Heráclito

 

A Vontade do Fogo (火の意志, Hi no Ishi) materializada em um memorial na série  Naruto.

 

 

 

 

Fernando

34 anos, Professor, Historiador, Gosto de Jogos, Escritor. Fascinado pelo universo Geek e Pop. Leitor, fã de música e cinéfilo. Nas horas vagas quando não estou entregando a dama no xadrez eu escrevo aqui neste blogzinho! Instagram @ferthenando18 bluesky @ferthenando.bsky.social

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