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Olá Rabbiters, como vão vocês? O que vocês estão fazendo com o que a vida faz de vocês? Espero que coisas boas!Lembre-se que bom ou ruim são conceitos relativos. Há vários dias que não posto nada, estou com vários assuntos na mente, mas não consigo colocá-los para fora, porque muito do que escrevo é a respeito do que sou, e tenho sentido um pesar crescente, uma sombra vem tomando conta do meu coração. E essa sensação não poderia ser diferente, pois a mente não tem uma separação  de superioridade ao corpo, afinal como já diziam Nietzsche e Freud: “você é o que você sente”. Nesse sentido, eu agora vos digo que o post de hoje vai ser diferente do convencional, portanto, sigam-me pela toca abaixo!

Quem está  nas trincheiras ao teu lado?

A pergunta  acima é uma frase atribuída a Ernest Hemingway (1899-1961), escritor e intelectual estadunidense que atuou como correspondente na Guerra Civil Espanhola, foi a partir dessa experiência que ele tirou a inspiração para escrever uma de suas maiores obras: Por quem os Sinos Dobram ?(1940). Hemingway teve uma trajetória de vida muito intensa e engajada politicamente, mas que teve um trágico fim: nos anos finais de sua vida o escritor sentia-se abalado pela depressão, até que em 2 de julho de 1961, seguindo a frase impressa em O Velho e o Mar – ” Um homem pode ser destruído, mas não derrotado” –, acabou se suicidando com um tiro na cabeça.

Ainda sobre Por quem os Sinos Dobram, esse excerto já diz por si só o conteúdo de sua obra, que trata com maestria a condição humana, invocando para si o absurdo da guerra, mormente a guerra civil, travada entre irmãos, tal como exemplificado no excertO acima. Em várias passagens desse texto, os personagens se estranham ao se verem forçados a assumir papéis bizarros durante a guerra, e fraquejam ao ver nos inimigos seres humanos que poderiam estar de qualquer um dos lados da guerra. Nesse contexto, é preciso mencionar o escritor e pastor anglicano John Donne (1572-1631), que influenciou diretamente o pensamento de Hemingway. O próprio título “Por quem os Sinos Dobram”, traz referência a Donne e à sua Meditação 17, presente na obra “Poems on Several Occasions”, que em português está traduzida simplesmente como “Meditações”. É nesse discurso que Donne nos diz que nenhum homem é alheio aos seus iguais, pois “quando se morre um homem, morremos todos, pois somos parte da humanidade”.

O fato da leitura do Hemingway ter caído no meu colo bem nesse momento de eleição, onde houve uma rachadura no país e que me abalou profundamente, poderia ser interpretado como obra divina. Mas eu também fiquei cético em relação a esse sentimento e fui atrás de um conceito mais plausível, racional, que pudesse explicar a tudo isso. Então descobri um conceito que está sendo apropriado por religiões espiritualistas e usado erroneamente para justificar tudo isso, esse conceito se chama Sincronicidade. Essa ideia foi criado pelo psiquiatra e psicoterapeuta  Carl Gustav Jung (1875-1961). Sincronicidade é a ligação estabelecida da relação dentre dois fatos e objetos por significado e não por causa e efeito. A sincronicidade não pode ser explicada para terceiros racionalmente, mas apenas para os que vivem a “coincidência significativa”. Um dos exemplos mais famosos de sincronicidade foi testemunhado pelo próprio Jung quando ele atendia uma paciente no seu escritório. A paciente estava contando sobre um besouro dourado com que havia sonhado, e nessa mesma hora Jung ouviu uma batida na janela, quando ele olhou era um besouro dourado similar ao que a paciente descrevia em seu sonho, e a esta experiência ele denominou sincronicidade.

A sincronicidade só pode ser compreendida por pessoas que participam de um determinado fato, pois para elas uma determinada experiência pode soar como se a própria divindade ou o universo estivesse te mandando um recado, tamanha é essa “coincidência”. A sincronicidade se apresentou a mim anteriormente quando uma pessoa conhecida tentou suicídio e cortou seus pulsos de uma forma horrível.  Na mesma época eu jogava Magic the Gathering, e a coincidência apresentada foi que o jogo estava lançando uma nova edição de cartas colecionáveis, e com ela revisitava em sua história o mundo de Innistrad, uma realidade onde a humanidade estava cercada por criaturas sobrenaturais como zumbis, vampiros e lobisomens, e lutava arduamente pela própria sobrevivência. Nesse mundo havia um anjo guardião, chamada Avacyn, que zelava pela proteção desse mundo e protegia a humanidade das trevas. Mas então aconteceu de subitamente a loucura tomá-la por completo, e assim ela começou a matar as pessoas e a promover uma intensa inquisição em seu mundo, fato que ficou marcado na seguinte frase de uma das cartas do jogo: “Asas que um dia protegeram agora estavam manchadas de sangue.” Obviamente que a empresa do jogo nunca imaginaria que isto iria acontecer na minha vida, é uma coincidência de fatos significativos apenas para quem conhecia ambos e que ilustrava o momento desesperador em que vivi.

A sincronicidade se encontra não só pela simbologia do Anjo Avacyn mas por toda as significâncias que existem em figuras puras e protetoras de anjos se corromperem com a loucura e mancharem suas asas com sangue daqueles que um dia juraram proteger. A psicose é um contraste muito forte frente à pureza angelical, como visto na imagem acima, que retrata bem os sentimentos desse Anjo.

Ao oposto do conceito de  Sincronicidade de Jung existe Escotoma, que é um termo clínico para uma patologia no campo audiovisual onde a pessoa não enxerga uma parte do campo visual todo. No entanto, para a psicologia esse conceito ganha outra amplitude, como no dito “os olhos enxergam o que a mente quer enxergar.” Ele é usado para uma pessoa que nega e despreza a realidade agindo como se ela não existisse. Outra aplicação óbvia dessa ideia é que você fica mais atento a detalhes específicos quando começa a ver coincidências e sincronicidade em tudo. Essa questão a principio parece ser lógica mas, no fim a sincronicidade continua não tendo explicação racional , exceto o fato dela ser significante para a pessoa que vivenciou e que conhece o objeto e fato coincidente. Já o Escotoma tem uma clara relação com o conceito de cegueira branca desenvolvido pelo escritor português José Saramago  no seu livro  Ensaio sobre a cegueira(1995).  A obra se passa em nenhum lugar com pessoas sem nome e se trata basicamente de uma cegueira (epidemia) coletiva que afeta a todos, o que faz as pessoas ficarem próximas a um estado de barbárie. Temo que uma cegueira branca tenha enfim tomado conta do Brasil.

Diante dos posicionamentos políticos das pessoas e do que elas estão dispostas a legitimar em prol de alguns valores você vê até que ponto essas pessoas iriam. Não se trata mais apenas de uma disputa política, que ocorre a cada 4 anos, e sim de pessoas que conviviam com você em seu cotidiano, algumas delas você nem mesmo tinha contato frequente, mas mesmo assim elas estavam ali silenciosas, e que agora tomadas por essa cegueira branca mostraram o seu real caráter e até que ponto elas podem ir em nome de suas crenças! Ao contrário do que o senso comum diz, a política não ocorre em um evento a cada quatro anos como tem sido nas eleições para presidente, e a política tampouco é uma reunião de torcedores que se reúnem para ver o seu “time favorito” vencer! O existir é um ato político! Política é sobre as relações humanas e também sobre a ausência delas. As formas como conduzimos nossos relacionamentos com as pessoas é política: quando somos educados e aceitamos as pessoas se posicionar mesmo contrárias a nós isso é política! O problema é quando a mensagem deixa de refletir uma opinião apenas e passa a refletir um ódio manifestado.  No início da Segunda Guerra Mundial, tanto britânicos quanto franceses ignoraram as ameaças de Hitler, e não acreditavam que ele cumpriria suas promessas, pois achavam que tudo isso eram apenas discursos extremistas de revolta. Ao fim da Segunda Guerra eles foram cúmplices silenciosos de um Holocausto que previram que iria acontecer. Em virtude disso, existe uma citação do dramaturgo e escritor italiano Dante Alighieri (1265-1321), que representa bem essa situação:
                                                                                    Mapa do inferno de Dante

        “Os lugares mais quentes no inferno são reservados aqueles que em tempos de crise optaram pela neutralidade” – Dante Alighieri

Uma das mais respeitadas intelectuais da existência humana é a alemã Hannah Arendt (1906-1975), autora do livro As Origens do Totalitarismo (1951), em que trata, como um de seus temas principais, a respeito da banalidade do Mal, onde explica que o maior mal existente é a negação da condição humana. Ele é cometido por aqueles que ao se negarem a pensar e assim a agir como humanos desmoralizam e desumanizam seus semelhantes, permitindo assim fazer todo tipo de barbáries que não se admitiria a alguém se os vissem como seus iguais.  A indiferença é o maior dos crimes cometidos a outros e ela só pode ser concebida em uma sociedade individualista “onde tudo isso está acontecendo e eu aqui na praça dando milho aos pombos!” Vou deixar aqui uma cena do filme autobiográfico de Hannah Arendt onde ela define o conceito de banalidade do mal.

É necessário existir um ponto de encontro entre a colaboração e a resistência no qual ainda somos seres humanos. Precisamos evitar a barbárie e não aceitar passivamente a banalidade do mal, pois o que nos torna humanos é a capacidade de raciocinar, somos os “Homus” que sabem que sabem, pois a nossa consciência e capacidade de raciocínio é a expressão máxima de que sabemos que estamos vivos, sem isso somos apenas corpos apodrecendo, meros cadáveres ambulantes.

Após ter lido Por quem os sinos dobram? e estar passando por esse período eleitoral a sincronicidade vem novamente se apresentar a mim, na forma da história anteriormente citada de Avacyn e sua loucura sanguinária. O que eu não havia narrado na história desse anjo caído é que havia uma explicação para a barbárie que estava acometendo, não somente à Guardiã como também à toda humanidade. Havia uma força oculta e sobrenatural, chamada na história pelo nome de Emrakul, que tal como na literatura lovecraftiana era uma presença estranha e antinatural, que corrompia as demais entidades e que estava distorcendo os pensamentos das pessoas para torná-las formas grotescas de si mesmas.

Talvez seja apenas coincidências de fatos de significância para mim. Mas uma coisa é certa: assim como a Guerra Civil Espanhola mudou o mundo para Hemingway , eu nunca mais enxergarei o mundo da mesma maneira após essa eleição de 2018, porque afinal: “Agora asas que um dia protegeram, estão manchadas de sangue!”

Ps: A imagens usadas de capa do blog e de Emrakul são ilustrações com direitos de uso da Wizards of the Coast seguem os links para a imagens originais: Avacyn Madness

Fernando

33 anos, Professor, Historiador, Gamer e Escritor. Fascinado pelo universo Geek e Pop. Leitor, fã de música e cinéfilo. Pai de um rapazinho e uma mocinha. Em horas vagas escreve neste blog. Me sigam no twitter @ferthenando e no Instagram @ferthenando18

2 Comments

  • Lauana disse:

    Incrível as conexões das leituras com a realidade. Estou assustada também, mas aguardando para ver no que tudo isto vai dar.

  • Rafael Rodrigues disse:

    Caraleo. Que texto completissimo, sensacional mesmo essas exposições de ideias, estamos vivendo tempos nublados, mas onde as pessoas só mostram quem são, e de certa forma vejo como positivo, trazer suas sombras pra fora, é exercer sua própria humanidade…

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