Notas do Autor
Olá meu querido leitor, tudo bem com você? Para quem não sabe Notas do autor é um espacinho que criei aqui para poder bater um papo mais aberto com você. Algo mais pessoal e que talvez não tenha nada a ver com o tema do texto. Sintam-se a vontade de deixar comentários, ou me adicionar nas redes sociais para interagirmos. Então já faz um tempo que não nos vós escrevo. A vida vai seguindo mas não tive ânimo de escrever nesses dois últimos meses. Parece que escrever tem sido algo difícil para mim ultimamente. As vezes não temos ânimo de fazer nem o que gostamos, e tenho sentido isso bastante. Quero compartilhar com você uma das experiências paterna. Convidei minha filha de 9 anos para assistirmos o filme da Pixar Red:Crescer é uma fera. Ela ficou tão encantada que acabei lhe dando uma caneca personalizada com uma arte do filme, ela amou! Red:Crescer é uma fera ou Turning Red(2022) no original, foi lançado a pouco tempo e está disponível na plataforma de streaming do Disney+.
Eu particularmente amei o filme, foi bastante nostálgico para mim, porque me identifiquei bastante com o tema e com a protagonista, porque me lembrei de quando tinha a mesma idade que ela tem no filme, na mesma época em 2002(Tinha 12 anos em 2002), e passava por experiências parecidas com as dela, na minha adolescência. Red para mim foi um dos melhores filmes da Pixar. O mais nostálgico. Vai ganhar o Oscar ano que vem!
Filmes da Pixar
Antes de começarmos a falar sobre os Red eu preciso fazer um Jabá sobre filmes da Pixar. Se você não é muito fã de animações e as considera entretenimento infantil eu peço que você reconsidere fortemente sua posição. Desde o início dos anos 2000 a Pixar tem colocado pautas super importantes em suas animações, cenas que podem passar despercebidas para crianças, mas que certamente disparam fortes gatilhos em adultos como por exemplo: os primeiro minutos de Up – Altas Aventuras, que mostra a rotina de Carl e Ellie e de todos os perrengues que os impediam de juntar dinheiro para fazer sua viagem até a cachoeira. Outro exemplo fica em divertidamente quando Rilley não consegue mais ter sentimentos. É uma abordagem leve sobre o tema depressão. Muito além da roupagem e da estética fofinha ou caricata para o público infanto-juvenil os filmes da Pixar contém mensagens e reflexões poderosas que são abordadas de maneiras sutis e divertidas. Você claramente pode sentar e assistir a qualquer um deles, sem pretensão nenhuma de fazer reflexões querendo apenas diversão e eles vão te dar isso. Mas você pode assistir e por meio de metáforas como a vida acelerada em Carros, entender que o que importa é a viagem e não o destino!
Red e Representatividade
Red já é um filme fora da curva desde a criação de uma equipe que é dirigida por mulheres até as vozes originais que foram interpretadas por artistas negros, de descendência asiática fazendo jus a inclusão e diversidade representada no filme. Domee a diretora, disse que queria fazer um filme para ela mesma quando tinha 13 anos, e não por acaso a protagonista Meilin Lee é descendente chinesa que enfrenta as adversidades da passagem para adolescência. A dublagem brasileira é impecável, ficou excelente, trazendo inclusive Star Talents(termo usado para pessoas famosas da mídia que depois vem a dublar um filme) como Rodrigo Lombardi e Flávia Alessandra para interpretar os pais da protagonista. Houve uma polêmica levantada nas redes sociais em torno da dublagem brasileira por não ter atores de descendência asiática interpretando os personagens assim como no original. Fica aí o questionamento, porque mesmo com tantos nomes talentosos a disposição, o mercado brasileiro de dublagem não possui diversidade entre seus dubladores. O filme é todo do ponto de vista do amadurecimento e das paixões e problemas enfrentados por uma garota de 13 anos, obviamente que isso não iria agradar ao público chato, que não se vê representado por ele. O que para mim é mais um ponto positivo do filme, chamar atenção das pessoas para os dramas vividos por homens e mulheres não tem o mesmo peso, ainda nos dias de hoje e gera pouco engajamento por parte do público masculino que é em sua maioria machista. Se invertêssemos os gêneros do filme, se o protagonista fosse um rapaz passando por problemas na puberdade e por um processo de amadurecimento, será que isso o tornaria mais atrativo?! Fica aí outro questionamento sobre.
Crescer é uma fera
O filme se passa no ano de 2002, ano da febre das boy bands, Backstreet boys e NSYNC ja eram febre a muito tempo. Meilin Lee é uma típica garota de 13 anos, ela dança, faz estrelinhas, tem crushes em garotos, ela também tem um grupo de amigas que tem uma obsessão por uma boy band de cinco integrantes chamada 4*town. Mei é uma garota Sino-Canadense, e sua família toma conta de um templo onde ela ama ajudar sua super protetora mãe coruja Ming. O filme dirigido por Domee Shi é muito bem sucedido em mostrar a diversidade cultural e étnica nos personagens, sem falar em todas as referências a adolescência que inclusive a própria diretora viveu. A obsessão pelas boy bands que foi avassaladora na época; o Tamagotchi da Mei, os esteriótipos das amigas dela, todos retratam muito bem o que foi 2002. Mei é uma garota super certinha, que se esforça ao máximo para ser a filha perfeita e aplicada, mesmo que nesse processo ela tenha que suprimir seus sentimentos e pensamentos próprios em prol de agradar a sua controladora e super protetora Mãe.
O que salva Mei de ser tornar um robô por completo seguindo os planos e ambições da mãe são suas amigas da escola Prya, Abby e Miriam. Cada uma com uma personalidade única, porém todas, além de grandes amigas compartilham uma idolatria enorme pelo 4*town e sonham em conhecer eles de perto. A personalidade das meninas é cativante, seja pelos trejeitos ou pelos traços característicos que podemos facilmente reconhecer (Já deixo claro aqui que em minha casa nós idolatramos e honramos a Abby,Todos os dias!!! risos) . A virada do filme acontece quando Mei um belo dia acorda transformada num panda vermelho de 2 metros de altura . Após o desespero inicial de se ver assim, Mei descobre que só se transforma em Panda quando perde o controle das emoções, e que se ficar calma e não deixar se levar pela raiva, ela consegue conter o Panda. Transformar-se em um Panda vermelho é a Metáfora perfeita para explicar a passagem da infância para adolescência onde os hormônios estão a flor da pele, onde tudo é mais intenso e cada situação nos expõe a emoções, que por vezes temos dificuldades em controlar. A equipe acertou em cheio! Ser adolescente é um misto de emoções e hormônios a flor da pele, e estar passando por uma mudança física onde seu corpo esta mudando e ao mesmo tempo ter que lidar com chulé, cecê, fora toda transformação de personalidade.
Transformando-se num Panda vermelho.
No início do filme vemos Meilin como uma garota obediente e dedicada que se esforça ao máximo para agradar os pais em especial a mãe. Os gostos e seus pensamentos são por vezes suprimidos em prol de tentar agrada-la, mas quando Mei se transforma no panda ela começa a demonstrar e desenvolver sua própria personalidade. Já abordei aqui no blog anteriormente o tema sobre nossa personalidade com o título ” Nosce te Ipsum” citando Lacan , caso você queira saber mais sobre pode conferir lendo esse post clicando >>>aqui <<<. Mas resumidamente Lacan que foi um psicanalista famoso francês criou a teoria dos espelhos. Essa teoria fala que desde que nascemos, nosso olhar sobre o mundo e nossos valores são construídos a partir do olhar dos outros. Assim nossa personalidade, nossas características e até mesmo o juízo que fazemos de nós mesmos é refletido em nós pelos outros. É através dos outros que nós nos enxergamos, no caso da Mei , sua personalidade e suas decisões eram bastante influenciadas por sua mãe. Na adolescência começamos a questionar os valores que nossos pais nos passam, começamos a nos questionar sobre nossa existência e sobre nosso futuro!
Pois é, um bocado de questionamentos, tudo isso tendo que se preocupar em ficar bonito pras gatinhas, ser descolado e ainda se divertir com os amigos, afinal adolescente né!?! Mei descobre que sua transformação em panda tem uma “cura” um ritual em que o espirito do panda vermelho pode ser selado num talismã, porém esse ritual só aconteceria na data em que sua banda favorita (4*town) viria na cidade se apresentar. Desesperada Mei tenta convencer os pais de que não só pode controlar o panda, mas também ir ao show com as amigas. Reprimida pelos pais, ela decide se rebelar e ir as escondida, para isso ela cria um plano com as amigas. O plano é simples: fingir estudar para as Olimpíadas de Matemática(Matletas) enquanto usa sua transformação em panda para conquistar os colegas de escola e assim descolar a grana dos ingressos delas. 4. Essa situação expõe bastante o fato de alguns pais serem super rígidos e não conseguirem conversar com seus filhos, o que leva os jovens a fazerem coisas escondidas ou sem o consentimento dos pais, isso sempre aconteceu, e provavelmente ainda vai acontecer muito.
É importante como Mãe/Pai conversar com os filhos de forma aberta sobre vários assuntos e ter uma relação de confiança com eles, afinal todos já fomos adolescentes e tivemos nossas ansiedades, desejos e frustrações; não é fácil lidar com isso, muito menos sem apoio dos nossos pais.
No meio de várias cenas impactantes do filme a que mais me chama atenção é a do pai conversando com a Mei, sobre um vídeo que ele achou na câmera dela, dançando com as amigas e sendo espontânea e se divertindo. O pai então explica para ela que nós temos várias faces da nossa personalidade e que não precisamos reprimir ou esconder elas, precisamos acolhe-las e arrumar um lugar para elas em nossas vidas. Isso é muito impactante, porque eu conheço várias pessoas que sempre foram robôs ou fantoches dos pais, que sempre esconderam sua personalidade e seus gostos, que nunca desenvolveram gostos, pensamentos próprios a ponto de quando ganharem independência, se rebelarem e se tornarem “outras pessoas”. Nós como pais temos que ser guias para nossos filhos, apontar para eles as direções e munir eles das melhores ferramentas possíveis para que eles possam decidir por si mesmos,quais caminhos vão trilhar e no fim a única coisa que importa é a felicidade deles, e se são e serão pessoas boas que impactam positivamente no mundo. Eu não sei se estou preparado para todas as adversidades que a Lavínia minha filha, vai enfrentar, mas pretendo apoia-la e tentar ajudá-la sempre.
Porque Red mostra isso? Por que ser pai não é controlar cada passo que nossos filhos dão, mas sempre estarmos lá para quando eles precisarem de nós!
Red crescer é uma fera é um presente da sua diretora para o mundo. É um filme sobre nostalgia, crescimento, amadurecimento e acima de tudo autoaceitação. Aceitar que temos várias facetas e que há espaço para convivermos com elas, mesmo que algumas vezes elas pareçam conflitantes. A metáfora do panda vermelho e de uma adolescente com os nervos a flor da pele é tão profunda que podemos estende-la a todas as nossas fases da vida. Encerro aqui a crítica desse filme que amei com um trecho do livro A Gaia Ciência de Nietzsche que fala sobre isso:
“Eu sou vários! Há multidões em mim. Na mesa de minha alma sentam-se muitos, e eu sou todos eles. Há um velho, uma criança, um sábio, um tolo. Você nunca saberá com quem está sentado ou quanto tempo permanecerá com cada um de mim. Mas prometo que, se nos sentarmos à mesa, nesse ritual sagrado eu lhe entregarei ao menos um dos tantos que sou, e correrei os riscos de estarmos juntos no mesmo plano.
Nietzsche em A Gaia Ciência
