Jerry Smith é um personagem da série Ricky e Morty. Jerry é o genro de Ricky e pai de Morty. Ele conheceu Beth no ensino médio e a engravidou, então se casaram e tiveram dois filhos Summer e Morty. Desde os primeiros episódios de Ricky e Morty, Jerry é considerado um fracassado perante a sociedade e perante sua família. Ele passa a maioria dos episódios tentando chamar atenção de todos, mostrar que ele é digno de ser amado. Jerry é sempre o alivio cômico, ele é um perdedor, que é formado em publicidade, tem baixa auto estima e tenta se provar para todos e conseguir o afeto deles o tempo todo. É possível ver que ele não é uma pessoa com más intenções, mas que por baixa auto estima e por ignorância e vaidade toma péssimas decisões colocando todos em maus lençóis.
Mas afinal o que torna Jerry um personagem tão interessante, mesmo sendo um alivio cômico da serie?! A capacidade de se conectar com o personagem e entender as demandas, os sofrimentos e as tomadas de decisões dele, mesmo que não concordemos com elas. Existem milhões de Jerrys Smith no mundo, pessoas que são medíocres,entenda como medíocres pessoas que estão na média, não são quente nem mornas. No post de hoje eu vou te mostrar que apesar de admirarmos o Ricky e fazermos chacota do Jerry, na vida real nós fazemos justamente o contrário.
Jerry o fracassado
Vou tentar pincelar aqui quem é Jerry Smith. Jerry é um fracassado, ele se casou com Beth na sua adolescência porque a engravidou no Baile de formatura. Beth apesar de ser uma pessoa bem sucedida, sofria uma carência enorme por ter sido abandonada pelo pai e ela viu em Jerry o primeiro homem que não a abandonou. Então apesar dela o ver como um fracassado, ela tem pena dele e cria uma relação de codependência emocional que se sustenta apenas na carência afetiva, no medo de abandono de ambos os lados. Jerry é um publicitário que quase sempre está desempregado, ele busca o tempo todo provar a mulher e aos filhos que é um cara que merece ser amado e que ele é o homem da casa. Jerry tem baixa auto estima, ele é preguiçoso e é retratado com alguém como um parasita que sobrevive da piedade alheia.
A busca pelos afetos.
Mas o que é ser Medíocre, o que é essa palavra tem de conotação ofensiva? Ser medíocre é estar sempre na média, e fazer apenas o possível, tentar bater uma meta e se contentar com o que tem. E resignar-se na aceitação do ser. A pessoa medíocre não só aceita a influencia do meio como abraça ela. Ela coloca as influencias externas como agentes que definem suas vidas. É como se o destino as guiassem como folhas ao vento e elas nunca pudessem fazer nada, elas tentam, mas existe uma barreira insuperável a elas, uma barreira invisível que não podem trespassar.
As pessoas com baixa autoestima que buscam sempre a aprovação e a aceitação dos outros. Elas veem o valor delas na aceitação dos outros, então elas esforçam-se para conseguir isso. São pessoas que querem aceitação e afeto nos mais diferentes âmbitos e nas instituições sociais. Seja reconhecimento na família, na escola, na igreja, na comunidade ou em seu grupo especifico. Existe um Sociólogo/Filósofo que tenho lido muito Pierre Bourdieu.
Bourdieu é um dos grandes pensadores da segunda metade do século XX. Ele é conhecido por ser o investigador das desigualdades. Sua obra e todo seu trabalho partiu da ideia de que nada na sociedade é natural e intrínseco do homem, e que tudo que fazemos enquanto indivíduos e reforçar e conservar estruturas de poder. Ele tem vários conceitos que eu pretendo abordar em outros posts( sim vocês ainda vão ouvir eu falar muito nesse homem), mas por agora eu vou focar em um o campo social e Habitus.
Campo social é um espaço de disputa intangível onde os indivíduos estão numa constante dinâmica de validação de si mesmo e do espaço de disputa. Um exemplo é a universidade. Seja na busca por um diploma, ou numa pesquisa científica, os agentes estão numa constante disputa pelo espaço e pela legitimidade. Quanto maior o capital intelectual de um indivíduo maior a legitimidade dele em obter espaços naquele campo.
Seja na faculdade, no trabalho, na sua rodinha de amigos, nos estamos em disputas e em constante dinâmica para mostrar que somos dignos, e que temos os troféus. Os “troféus” são os prêmios a serem disputados em determinado campo social. Eles lhe garantem prestigio e reconhecimento entre os agentes envolvidos. Um diploma tem o valor evidente para aqueles que estão fazendo faculdade, e talvez nenhum para aqueles que nunca passaram na porta de uma. Bordieu veio a falecer em 2002, então ele não chegou a ver o caldeirão que são as redes sociais e a internet nos dias atuais. Sim, a internet é um espaço de disputa, onde as pessoas almejam ” troféus” seja em likes, curtidas, viralizar, ter seguidores.
Ricky e Jerry
Jerry é um personagem que não só disputa em todos os campos sociais , como ele valida essas estruturas de poder. Ele quer ser amado e aceito pelos outros. No episódio 04 da primeira temporada chamado Realidade virtual. Nesse episódio, Ricky é abduzido por alienígenas vigaristas que tentam trapaceá-lo a todo custo para roubar suas invenções. Nesse caso eles tentavam através da simulação de uma realidade virtual, conseguir a formula de um combustível para viagens no espaço. Esse combustível permitiria viajar mais rápido que a luz. Porem por engano, os alienígenas abduzem Jerry junto do sogro. Ao perceberem que Jerry estava na simulação, os alienígenas reduzem a simulação para operar em capacidade mínima(5% de processamento) para focar em Ricky . O momento Hilário é que, Jerry não só não percebe que esta em uma simulação, mas também ele consegue realizar todos os seus maiores desejos de sua vida nela. Aprovar uma fajuta campanha de publicidade plagiada, receber um premio Falso por sua campanha. E ter ” a melhor relação sexual ” da sua vida com uma simulação da Beth(sua esposa) literalmente parada.
A validação
Ricky e Morty é uma série brilhante, os roteiristas acertaram em cheio em vários aspectos e um deles é o contraste evidente entre Ricky e Jerry. Ricky é o ser humano mais inteligente do universo, ele não liga para nada além de si mesmo, ele é uma desejo imparável de seu grande intelecto, com intento de consumir tudo ao máximo porque ele entende que o universo não tem sentido, então ele não se prende a nada, muito menos as estruturas sociais, como os espaços de disputa social de Bourdieu. Jerry já é diametralmente oposto a Ricky. Ele se importa com o que a família, amigos, e até com que os estranhos pensam dele, e tudo que ele deseja é ser bem sucedido o suficiente para ser amado. Ele valida todas as instituições sociais e a cultura e tenta competir nelas.
Muitas pessoas em nossa sociedade vivem como Jerry, são pessoas que buscam aprovação nos mais diferentes campos de disputa sociais, afim de estabelecerem a si mesmas e provar que são dignas de serem amadas. Elas se esforçam tanto, criam uma vida imaginária, trabalham, compram coisas, fazem viagens, casam-se, não pelo prazer intrínseco das coisas, mas para poder expor nas redes sociais e alcançar assim o que Bourdieu chama de Capital social, uma espécie de prestigio que diz que você tem um determinado valor e que você é digno de ser amado por isso.
Perceba que é impossível fugir desses sistema e dos campos de disputa sociais que o capitalismo nos impõe. Mas a escolha de ser medíocre e de valorizar cada mini troféu que você ganha e reforçar toda essa cadeia vazia de utilitarismo é sua! Você pode ser um estudante de direito que ama ser chamado de doutor e que acha que colocar adesivos no carro para mostrar seu orgulho pelo seu curso é algo louvável. Pare de ser idiota! Pare de querer ser validado por algo tão fútil quanto um titulo. Pare de viver uma má vida vazia, em busca de aprovação e status dos outros!
Faça o seu melhor em tudo, não buscando os títulos, mas sim a jornada, o conhecimento, o amadurecimento e a experiência ganha no processo. Faça você ser mais importante para os outros que seus títulos, que sua posição social. Valorize as pessoas pelo que elas são de verdade, independente da posição delas e ou dos troféus que ela adquiriu, no fim nada disso tem sentido e deixamos de viver buscando esses títulos.
A lógica Neoliberal
Como já dizia Nietzsche nossa existência não tem sentido por si só. A nossa sociedade através do Neoliberalismo que segundo o professor Silvio Almeida propõe uma ideologia de vida onde todas as relações humanas seguem uma cadeia utilitária, de Demanda/Oferta. A lógica Neoliberal é :enquanto formos úteis um ao outro nós nos ajudamos. Eu tenho algo a ofertar que você demanda e enquanto for bom o bastante para ambos nós fazemos uma troca livre.
Tudo que repito,infelizmente é calcado nessa lógica hoje em dia. Quer um exemplo? O casamento e a criação da tradicional família Brasileira. Um homem ” de bem” ou seja um homem com uma confortável renda financeira, um currículo e com um status social considerável se relaciona com uma mulher considerada atraente, ela tem que estar no padrão estético, tem que ser inteligente, porem não pode ser mais do que o homem. Tem que ser sociável , ser uma ótima esposa e dona de casa. Essa mulher é o ” Troféu” deste homem, é a recompensa que o homem de bem ganha por ter ganhado todos os prêmios e várias de suas disputas sociais. Já o prêmio da mulher é todo o conforto e segurança que esse homem pode prover a ela e a seus futuros filhos que virão. Mesmo que o relacionamento deles seja construído em uma mentira, mesmo que não tenha amor, ou um vinculo gostoso, ambos vão continuar casados ao redor das aparências, suportando traições, mentiras e um relacionamento tóxico, tudo em prol de manter as aparências. Isso é o que a maioria das famílias brasileiras objetivam. Somos criados em busca disso, dos prêmios e não necessariamente da experiência da corrida.
Já vi pessoas que viajam, mas odeiam cada segundo do trajeto e da experiência em si, mas o tempo todo estão com as redes sociais emanando uma falsa felicidade. A sociedade do espetáculo e das aparências casa muito bem com essa ideia utilitária do Neoliberalismo, ninguém sabe o quão corroída estão as estruturas das instituições e das vidas das pessoas, contanto que o básico utilitário esteja sendo feito, as pessoas concordam em continuar o show.
Muitas vezes as pessoas enxergam uma imagem de que a grama do vizinho é sempre mais verde, e mal sabem elas que o vizinho esta quase se matando para mantê-la assim, seja comprando um carro parcelado em 80x , seja comprando o smartphone da moda, as pessoas batalham duro para mostrar um troféu, um premio que lhes de prestigio e consigam assim ser amadas. As redes sociais elevam isso ao quesito máximo, você deve postar apenas suas alegrias, apenas suas melhores fotos, mostrar apenas viagens e passeios, dando a entender que sua vida é esse eterno filme agua com açúcar, ou se preferir o céu dos testemunhos de Jeová.
Nos validamos pessoas que movimentam as redes, que correm atrás de todos os prêmios possíveis, porque para nós essas pessoas são “bem sucedidas”. Enquanto isso vemos pessoas que sequer existem nas redes, pessoas incríveis com potencial enorme que estão no anonimato. Pessoas que poderiam ir longe , alcançar uma carreira de sucesso, ou com um talento enorme que a levaria a fama. Mas essa pessoa não está interessada em nada disso, ela esta confortável aproveitando a vida da melhor forma que ela entende e você debocha dela por isso.
Fica a reflexão que talvez devêssemos aproveitar mais a corrida e menos os troféus, que valorizássemos mais a viagem e menos as selfies, que valorizássemos a companhia e os vínculos e menos o status que as pessoas podem nos proporcionar, porque afinal o que importa é a jornada e não o destino! Ganhar um reconhecimento social só tem sentido se tivermos uma vida verdadeira e feliz para celebra-lo! O reconhecimento não é o bolo, ele é a cereja! No fim fica o questionamento, na vida real quem você aplaude, o Ricky ou o Jerry?!