Olá, pessoas, Rabitters cativos e você, novo leitor, que está lendo este blog. Hoje, vamos falar de Among us, um jogo indie que se tornou mundialmente jogado e é um sucesso de downloads. Vamos analisar o que o que um simples joguinho tem a nos ensinar.
Está olhando atentamente?
A mentira está presente em nossa sociedade desde os primórdios da humanidade. Confiar uns nos outros é um desafio enorme. A neurociência e a Psicologia descobriram que o comportamento da mentira foi desenvolvido pelos nossos ancestrais há milhares e milhares de anos.
Quando um indivíduo na pré- história achava comida, ele gritava avisando aos outros sobre sua descoberta. Esse comportamento foi reforçado durante nossa evolução, afinal quanto mais alguém gritasse quando achasse comida, maiores as chances de a tribo inteira sobreviver. O mesmo era feito quando alguém encontrasse um predador: emitia-se um grito de perigo avisando a todos para correr, aumentando, assim, as chances de sobrevivência de todo o bando. Então, um indivíduo egoísta descobriu que se ele emitisse um grito de perigo quando encontrasse comida, ele ficava com toda a comida só para ele e não teria que dividir com o bando, aumentando sua chance individual de sobrevivência. Assim, nasceu a mentira, um comportamento social-biológico de sobrevivência.
Com o passar dos milhares de anos, os mentirosos foram desmascarados por indivíduos perspicazes que aprenderam e refinaram cada vez mais os esquemas de desvendá-las, e ambas as partes foram evoluindo e refinando cada vez mais os métodos de mentira e detecção de mentiras.
Uma fêmea humana só pode engravidar de um único parceiro e, uma vez grávida, a fêmea ficará sensibilizada e vulnerável a predadores. Nesse estado de vulnerabilidade, a fêmea requer cuidados até que sua cria nasça. Dessa forma, as fêmeas desenvolveram um instinto para saber em qual macho confiar, observando qual seria capaz de protegê-la e prover segurança para ela enquanto ela está mais vulnerável. Isso na época das cavernas, hoje em dia a dinâmica é diferente.
Como seres sociais que somos, aprendemos a confiar uns nos outros desde bebês. Somos interdependentes e nossa sobrevivência está ligada à confiança. Como no exemplo da fêmea da época das cavernas, nossa sociedade está toda baseada em confiança. Veja o dinheiro, por exemplo: um pedaço de papel que não tem valor intrínseco em si. O valor do dinheiro está na quantidade de pessoas que confiam que vão conseguir trocar aquele pedaço de papel por outras coisas. De uma forma bem grosseira, quanto maior a confiança das pessoas em uma moeda, maior o seu valor.
Vendedores, Políticos, Médicos, Psicólogos, Professores, Economistas, qualquer profissão que trabalhe com pessoas demanda confiança. Estamos acostumados a confiar em várias pessoas, em diferentes áreas de nossas vidas. Confiamos que o lixeiro vai passar em determinado dia em nossas ruas, que a comida que estão nos servindo é de boa procedência, que o produto que nos vendem não está estragado. Confiamos nos motoristas quando pegamos um Uber, confiamos nos políticos para nos representarem quando votamos neles, confiamos em nossos parceiros com quem temos relacionamentos amorosos. Precisamos ter confiança para que possamos investir nossos recursos limitados em determinada coisa ou pessoa e, por isso, muitas pessoas ficam arrasadas quando investem todos os seus recursos em algo e se decepcionam.
Um jogo de confiança
Among us é um jogo de estratégia e cooperação em que você é um entre dez tripulantes em uma nave espacial. Os tripulantes tentam sobreviver em uma estação espacial. Entre eles, há dois alienígenas: eles são impostores que precisam eliminar a todos, enquanto os humanos tentam descobrir quem são os impostores e realizam reparos no ambiente. O papel dos impostores é decidido de maneira aleatória em cada partida logo no início.
O objetivo do jogo como impostor é: matar ou ejetar tripulantes até que haja o mesmo número de impostores e tripulantes. Como tripulante, você tem que sobreviver e completar tarefas de manutenção, enquanto impostores tentam matar a todos e sabotar a nave. O jogo seria monótono e simples, se não houvesse um infame botão de emergência. Ao apertá-lo, todos os tripulantes da nave, inclusive os impostores, são reunidos numa discussão que resulta em uma votação. Todos os participantes podem votar para ejetar quem eles acham que é o impostor. Nesse ponto, os impostores tentarão manipular a votação a seu favor, tanto para provar sua inocência, quanto para jogar os tripulantes uns contra os outros induzindo-os a votarem em alguém inocente.
Among us foi criado em 2018, mas foi apenas agora em 2020 que o jogo explodiu de acessos e downloads. É provável que a pandemia tenha impulsionado o boom do jogo, tanto pelo distanciamento social quanto pelo clima de desconfiança e paranoia provocado por ela. A dinâmica de colocar participantes em confinamento e induzi-los a votar entre si, excluindo os do grupo, não é nova. Podemos ver isso nos reality shows como Big Brother. por exemplo. Mas, então, por que tanto o reality quanto o jogo nos prendem? A resposta é que eles utilizam a dinâmica da confiança e nos fazem sempre querer descobrir quem é o impostor e quem é o inocente.
Uma linda mentira
O tempo todo nós encontramos pessoas vendendo soluções mágicas, seja o chazinho desintoxicante, seja a carreira de sucesso, ou a prosperidade financeira, há milhares de gurus e farsantes nos bombardeando todos os dias com formulas mágicas de sucesso. O marketing consiste em despertar o desejo e a confiança das pessoas num determinado serviço ou produto para que elas o comprem.
Um bom vendedor sabe que vender é atender ou superar as expectativas dos desejos de um cliente, mas para isso ele precisa fazer com que o cliente confie nele, ficando mais suscetível à sua argumentação e a comprar o produto. O mesmo acontece com farsantes e líderes religiosos com a profecia autorrealizada, um termo usado para se referir a uma promessa de sucesso que precisa apenas que as pessoas acreditem nela para que ela se cumpra. Um pastor que queira ludibriar seus fieis, pode incentivá-los falando que algo de bom está por vir em suas vidas, e basta apenas que eles perseverem em seus ensinamentos e na religião para que, por fim, recebam suas recompensas prometidas. Já quando algo dá errado ou demora a vir o resultado, eles têm a desculpa perfeita de que aquilo é a divina providência o testando, ou que ainda há algo grande reservado a você. Essa lavagem cerebral é o modelo de mentalidade perfeito para qualquer coisa que vá fazer em sua vida, afinal se você cair 3000 vezes e não conseguiu ainda pular aquele obstáculo, é porque não era a hora, e sua hora ainda vai chegar!
Então, fica a pergunta: por que apesar de sabermos ou de termos caído algumas vezes em suas mentiras, continuamos a confiar cegamente em falsos profetas? A verdade é que seja jogando um joguinho ou em um truque de mágica, seja o coach de sucesso financeiro ou na política com falsos Messias, nós não queremos descobrir a verdade, nós queremos é ser enganados.