Ir para o contéudo principal

Olá Rabbiters , como vão vocês? É muito bom estar aqui escrevendo novamente! Eu nem vou pedir desculpas pela ausência porque ela já se tornou rotina, apesar de ter uns 4 posts em rascunhos, eu não tenho vontade de finaliza-los. O post de hoje vai ser uma analise sobre o filme mais badalado do momento, O Coringa.

Já existem várias analises abordando a direção, a fotografia e inclusive o aspecto filosófico e psicológico do filme. Então decidi abordar um aspecto que é pouco abordado e fica implícito no filme, o aspecto politico e sociológico. Para fazer essa analise ja aviso logo que terá muitos spoilers. Então se você não curte spoilers e não viu o filme ainda, pare por aqui mesmo e vá assistir esse que é com toda certeza o melhor filme de 2019.

Se você é novo por aqui curta a nossa página no Facebook ou no Instagram para saber quando lançarmos posts novos.

Facebook

Instagram

Cheirinho de Oscar!

O Coringa (2019) é com toda certeza um daqueles filmes que te prende atenção logo de cara. Com uma fotografia impecável e com cenas muito bem dirigidas. Joaquim Phoenix interpreta Arthur Fleck,um palhaço com transtornos mentais e que sofre de um distúrbio real que é a risada patológica, uma disfunção psíquica que torna a ação incontrolável, trazendo ela a tona em momentos desconexos e quase sempre inoportunos. A risada de Fleck é algo triste, ela sempre nos transmite uma sensação de que o personagem esta rindo de nervoso e que ele poderia estar chorando.

Vamos começar dizendo que Joker é um filme tão bom que ele te causa várias sensações inclusive desconfortáveis. Filmes bons são aqueles que nos levam a refletir horas e até dias,depois que os assistimos e o Joker é com toda certeza um desses. O filme é revolucionário em fazer uma abordagem humana da origem do Coringa. Ao contrário de outras obras de Hollywood que maniqueízam os personagens e definem esteriótipos claros do bonzinho e do malvado. Joker desconstrói esse paradigma, ele mostra como Arthur Fleck sofre diariamente as mazelas de uma sociedade individualista e doente. Uma cidade abandonada pelos governantes passando por tempos de crise onde os ratos dominam as ruas. Todo o panorama do filme é bastante representativo e condiz com a realidade que estamos vivendo no mundo atual e inclusive aqui no Brasil.

A grande sacada do filme é que ele expõe a sociedade, ele coloca as tripas sobre a mesa e mostra elas com um brilhantismo dignos apenas da sétima arte. O filme não se restringe a seguir o paradigma do mocinho e do vilão e apesar de o filme ser sobre Arthur Fleck e a origem do coringa, ele claramente mostra que bandido e

mocinho são apenas pontos de vistas diferentes.


O Coringa retrata a todo tempo a relação de um individuo marginalizado pelo sistema, onde ele foge do controle das instituições sociais. O apoio financeiro do estado que financiava os remédios e a terapeuta dele, são cortados por uma crise financeira. Normalmente quando se há crises financeiras os primeiros cortes são realizados nas áreas sociais, onde o governo considera como ” gasto supérfluo”. É impossível não associar o filme ao panorama atual da sociedade e aos governos que estão no poder atualmente.

A sociedade x Individuo

A realidade da maioria das pessoas,especialmente às pobres que tem relações familiares conflituosas e abusivas isso se reproduz em outras esferas de suas vidas. Pessoas mais pobres que tem distúrbios e não tem condições financeiras assim como Joker de pagar tratamento e remédios, que são abandonadas pelo estado e tem que ouvir um discurso de que são pobres apenas porque querem ser pobres. Que não se esforçam o bastante, que é preciso correr mais! São humilhadas e destratadas em várias esferas de suas vidas. Sofrem com as mazelas da miséria e tem como recompensa um estado perverso e uma elite que no filme é representada por Thomas Wayne. Ele é um mega empresário bilionário que se candidata a politica e que chama os cidadãos mais pobres de palhaços. É precisamente por isso que o filme assombra uma parcela das pessoas, porque no nosso frágil tecido social , caótico e ilusório tudo pode desmoronar como na cidade de Gotham.

Quando ocorre um massacre ou um caso bárbaro e nos deparamos com um caso de malvadeza humana, nós desumanizamos o criminoso e o colocamos como um rato, um monstro doentio e sem sentimentos que comete apenas barbáries. E ao assistir o Coringa, ele nos remete aos vínculos que os seres humanos tem entre si e que antes mesmo de serem Coringas, aqueles que parecem monstros tem relações humanas, e que o descaso da sociedade o transformou naquilo. É a filosofia de Rosseau: ” O homem nasce puro e bom. É a sociedade que o corrompe.”

Numa das cenas mais icônicas do filme Arthur Fleck após ser despedido , numa séries de desventuras ocorrendo, ele mata três playboyzinhos no metrô que o estavam humilhando, por ele ter tido uma crise de riso nervoso enquanto eles assediavam e humilhavam uma moça no vagão. Naquele momento é o momento de descarga de toda raiva e sofrimento que ele havia tido ate então. Essa ultra-violência é uma reação como forma de empoderamento do individuo. Ao fazer isso Arthur mostra que ele existia, de que ele tinha direito a vida sem ser humilhado e pisado por outros. E que ele era um ser humano e que suas ações eram percebidas pelos outros. E então no momento de transição, que o diretor Todd Philips utiliza que é a passagem dele por um corredor, o Coringa e encontra no banheiro, onde ele pela primeira vez sente-se agente da mudança. E ele performa uma dança onde ele esta extasiado, mostrando que o personagem começa a se transformar no Coringa. Uma cena maravilhosa onde Joaquim Phoenix foi brilhante em sua atuação. As ações do Coringa começam anonimamente tocar o resto a população que compartilha com ele as mesmas situações, e que se reconhecem como ” palhaços”.

A forma como ele mata o ex colega de trabalho e poupa o anão também diz muito sobre a vida do Coringa. Ali as pessoas criam um vinculo com o Coringa, pois veem que ele não mata ninguém aleatoriamente e que seus atos de insanidade foram a fúria da humilhação e da miséria de anos, descarregada contra alguém que o oprimia e ridicularizava há muito tempo. Após isso há a transformação definitiva de Arthur Fleck no Joker e tem aquela fantástica cena dele dançando na escada, onde é possível ver o personagem em seu êxtase, em um momento onde sua vontade de agir estava elevada e ali ele se reconhecia como alguém como um agente da mudança.

O crescendo do Filme, é a cena em que Coringa vai ao programa do comediante Murray e totalmente transformado na nova persona ele age livre das amarras sociais. Conta que matou os playboyzinhos e que aquilo foi libertador, porque era como uma forma de reação e ainda debocha do fato que se fosse ele morto ninguém ligaria. Murray aqui representa um desses agentes da industria cultural que romantizam a humilhação do pobre, como forma de entretenimento (oi Pânico na Jovem Pan!). Murray pode ser facilmente Danilo Gentili ou um Silvio Santos na realidade brasileira. É mais um daqueles cinismos das elites financeiras que não satisfeita em oprimir e criar os miseráveis ainda debocha de sua condição, importante dizer que os próprios pobres reforçam essa romantização da pobreza. Esse tema de se regojizar com a miséria dos outros em igual situação ou pior eu abordei nesse último post aqui:


A miséria ama companhia

A cena final não poderia ser melhor. Após assassinar Murray o Coringa preso na viatura vê a cidade pegando fogo, o caos criado pelos protestos políticos e vê a anarquia como um movimento de reação popular. Todas as pessoas que são oprimidas, que são tratadas como ratos indesejáveis tem no caos o mais puro sentimento de liberdade e de afirmação ” Eu existo”. É então que os manifestantes batem na viatura e resgatam o Coringa e o colocam em cima do carro. Ao levantar e ver-se como a gente da mudança e que mesmo que isolado e anonimamente ele fez diferença no sistema o Coringa chega a seu ápice e então com sangue na boca o Coringa dá o seu primeiro sorriso, o primeiro sorriso genuíno durante todo o filme.

Apesar de o Coringa ser uma obra de arte ficcional, ele nos passa milhares de mensagens, mas a mais assustadora e que o nosso tecido social é extremamente frágil e ilusório, e que mesmo isolados e humilhados ” nós existimos , e as pessoas estão começando a perceber!”

“E não se esqueçam a vida é assim!”
Fernando

33 anos, Professor, Historiador, Gamer e Escritor. Fascinado pelo universo Geek e Pop. Leitor, fã de música e cinéfilo. Pai de um rapazinho e uma mocinha. Em horas vagas escreve neste blog. Me sigam no twitter @ferthenando e no Instagram @ferthenando18

Deixe um comentário