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Há momentos na vida que o tempo passa devagar, quase que como que um universo inteiro em apenas um olhar. Uma fração de segundo que te faz viajar e repensar tudo.

É 12:48 e eu estou olhando pro teto, ouvindo Steven Wilson deitada em um tapete felpudo com a cabeça apoiada em uma almofada que vale metade do meu salário. Minhas pernas cruzadas, as janelas fechadas e ao longe escuto as meninas conversando sobre amenidades lá fora. Eu aumento o som, quero ir pra outro lugar, um lugar distante talvez.

Meus olhos fechados, minha respiração profunda, uma tentativa vã de calmaria no meio desse caos, eu olho pro lado, a única presença de luz vem da janela do banheiro da suíte, eu fixo meu olhar, tento focar na luz, algo me distrai. Meus dedos quentes e úmidos tiram a franja da testa. O cabelo curto uma sensação de liberdade uma experiência quase que mística e realmente prazerosa, revela o que resta de indomável em mim. Eu volto pro teto, porque ele tem tanto a dizer? Ou sou eu que tenho tanto pra falar.

Chungking Express (1996) - Wong Kar-Wai

Estranho, mas ultimamente quase não tenho falado muito, um hábito bastante comum há anos atrás. Eu olhos pros pés e logo concluo que algo em mim mudou e que de repente o essencial passou a fazer mais sentido. Eu coloco as mãos atrás da cabeça e olho pro celular, são 12:50, meu almoço acaba em 20 minutos e no fundo tudo que eu quero é ficar aqui deitada assistindo o tempo passar por mim como um passatempo infantil.

A música está quase terminando e de repente, por uma fração de segundo, me lembrei de você, a razão pela música morar em mim. Lembrei de como eu nunca conseguia ouvir o baixo e você pacientemente compartilhava o fone comigo e me mostrava que aquilo imperceptível pra mim era completamente compreensível pra você, aquele colchão de solteiro fazia as coisas parecerem tão fáceis que eu nem sequer via o tempo passar, exatamente como agora.

Uma sensação nostálgica me tomou, eu me lembrei de quando estava na estação central e esperava o ônibus, todas aquelas pessoas apressadas e distraídas, tão preocupadas com seus mundos e elas nem sequer imaginavam que eu estava ali, as observando cuidadosamente. A faixa tinha mudado, aquela hora, eu escutava Flutua do Johnny Hooker, eu escorei minha cabeça na janela como de costume, e vi alguém se não fosse você poderia jurar que era muito parecido, meu coração tinha parado, eu a centenas de quilômetros longe o suficiente do que você representava sem reação, só conseguia esboçar surpresa. Principalmente pelo fato de que como poderia ser assim tão vulnerável por uma pessoa?

Voltei depressa pro hoje, pra realidade que construí, pela vida que criei e percebi que nada mais era que uma lembrança, como eu poderia ter me enganado, ou seria eu que te procurava em cada pessoa que encontrava, mesmo tentando fugir de tudo? Meus olhos se fecharam, meu coração já não bate mais acelerado, a mente tentando me enganar, tentando divagar sobre o que foi e o que não deveria ser, mas a vida meu caro tão mais cheia de nuances e pequenos detalhes tão mais relevantes. Eu desejei uma cerveja e um cigarro. Enquanto estava ali imóvel vendo tudo passar diante uma fração de minutos, esperando… A música acabou eu coloquei no modo repeat, queria permanecer ali naquela realidade paralela enquanto fosse possível.

Agora faltam 5 minutos, a ansiedade aumenta e o desejo de o tempo parar cresce, eu permaneço aqui apesar de ter tentado fugir de tudo? Teria eu começado de novo ou apenas continuado de onde parei? A eu fria tudo por um gole de cerveja agora. Eu reflito sobre o que passou e chego a uma conclusão óbvia que é uma tentativa vã de viver o presente e as consequências pelos meus atos. Tudo vai e volta meu bem e nas horas mais inesperadas, mas eu, não sou a mesma. Respiro fundo, sei que ao colocar os pés no chão tudo voltar a ser como era há 1 hora atrás. O chão duro e gelado encosta na superfície de meus pés, eu sinto ali naquele momento que o peso das responsabilidades me chama e então calço meu tênis e chego a conclusão que tudo nesse vida é transitório, mas nunca se esvai totalmente, nada realmente termina.

Vanessa Paiva

Pós-Graduanda em Direito. Cinéfila de fim de semana, rock'n'roller por essência, cozinheira de todo coração e escritora nas horas vagas.

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