Olá meus queridos rabitters! Como vão vocês? Hoje quero adentrar um tema espinhoso que é a Meritocracia. Mas para isso eu vou pegar uma luta sensacional como exemplo que é a de Gaara e Rock Lee da franquia Naruto. Eu gosto muito dessa luta, foi por ela que comecei a assistir a o anime. Então não vou me aprofundar no anime, mas vou apenas expor uma nuance da construção feita em cima dessa batalha que podemos utilizar para o tema proposto. Ja aviso que terá spoilers sobre o episódio em questão, então se você ainda não viu Naruto e não curte spoilers, sugiro deixar para ler esse post após começar a ver a série.
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O Gênio versus o fracassado.
Bom eu já falei sobre Naruto algumas vezes nesse blog em posts anteriores, não é segredo nenhum que eu amo o enredo da série e aprecio cada aspecto dela, desde a trilha sonora ate mesmo a direção de imagem, as cenas de ação e principalmente o roteiro muito bem escrito pelo autor Masashi Kishimoto. A luta entre Gaara vs Rock Lee é um dos acontecimentos mais épicos do anime e até hoje é reverenciada e assistida no youtube. O Amv Gaara vs Rock Lee ao som de Linkin Park já tem 11 anos e possui 25 Milhões de visualizações. Vou deixar o vídeo do amv abaixo para quem quiser ir acompanhar.
Bom para quem não sabe Naruto é um Anime de estilo Shonen que é voltado para o público jovem masculino. Esse estilo de desenho é bem famoso por conter vários personagens fortes e muitas lutas. Naruto não foge desse padrão, mas o diferencial de Naruto se encontra na profundidade emocional e na quantidade de personagens trabalhados nos diferentes arcos da série. É muito fácil para o espectador se identificar com os personagens, com suas dificuldades, com seus sentimentos, tudo em Naruto é bastante apelativo para o emocional e o motivo dessa luta entre os dois personagens ser tão épica, é porque não só a direção do anime foi bem feita, como pela trilha sonora que é eximia; mas acima de tudo pelos dois personagens terem sido bem desenvolvidos antes dela, o que gera uma conexão intensa entre os espectadores e eles. Vou tentar apresentar os dois personagens para melhor entendimento.
A dialética Escolha vs Destino
Gaara é o primeiro personagem a ser apresentado na série. Ele aparece no episódio 20, quando os personagens estão no inicio dos exames chunin. Ele é um personagem sombrio, arrogante, psicopata e possivelmente muito perigoso . Já Rock Lee aparece no episodio 21 – Lee ao contrário de Gaara é um personagem extremamente modesto, energético, extremamente carismático e possui um excesso de entusiasmo. Um é o oposto do outro. E a medida que o anime vai se desenrolando vamos entendendo que Gaara é “agraciado” com poderes sobrenaturais de um monstro que vive dentro dele e isso o torna extremamente poderoso. Já Lee é totalmente o oposto. Enquanto criança Lee sofria bullying por não ter talento algum para desenvolver as técnicas ninjas( Ninjutsu), sua única e pífia habilidade era no combate corpo a corpo (Taijutsu). Então, determinado a mostrar o mundo que era possível ser um grande ninja mesmo sem ter técnicas de um ninja, Lee encontra um mestre que não só acredita em seu sonho, como o direciona a focar seu treinamento na única área que ele tinha aptidão( Taijutsu) transformando-o assim num exímio especialista na área. Então, acima de tudo, essa luta é sobre um garoto que recebeu dons e poderes naturalmente e de outro que por não ter nenhuma, teve que se esforçar ao máximo para conseguir alcançar algum grau de sucesso. Apesar da luta emocionante Kishimoto nos brinda com um desfecho inusitado que coloca em cheque aquilo que a obra tenta passar a todo momento, de que um fracassado com muito esforço e mérito, pode um dia, ultrapassar o Gênio dotado de habilidades inatas e assim burlar o destino. Mas fica a pergunta, será que pode mesmo?!
A Meritocracia
A palavra Meritocracia é um neologismo das palavras em Latim Mereo( “ser digno”, merecer”) e do grego Kratos(Poder), juntando as duas cria-se um conceito de “ser digno de poder”. O conceito de Meritocracia data desde a china antiga, quando Confucio utilizou a palavra pela primeira vez para expressar a ideia de que os cargos no governo chinês deviam ser ocupados conforme os méritos (habilidades, inteligencia e aptidões das pessoas) e não segundo indicação do imperador que colocava seus familiares descaradamente sem merecimento algum (Olá Bolsonaro!).
A ideia de Meritocracia em seu primórdio era linda! Uma sociedade totalmente baseada no mérito, parece ser a chave para o sucesso não é mesmo?! Foi a meritocracia que levou servos a abandonarem o campo e migrarem para as cidades em busca de se tornarem comerciantes e mudarem seus destinos, criando assim os primeiros burgos e as primeiras cidades na idade média. A ideia de poder criar sua própria sorte, de mudar seu destino através de suas ações foi ganhando cada vez mais força. Ao ponto de Calvino, na reforma protestante, criar o conceito do Eleito. Eleito para ele seria a pessoa eleita por Deus a entrar no reino dos céus; como saber quem era eleito? Simples, a medida que a pessoa acumulasse riquezas e prosperasse financeiramente e materialmente na vida terrena – esse era um sinal de que a pessoa era um eleito.
O Mérito é algo poderoso e valoroso para uma sociedade e é sim um critério para fundamentar uma sociedade. Assim como em Naruto, dá não só esperanças, mas também a possibilidade de ser alguém, sem ter herdado uma rica herança, mas que com muito esforço e trabalho duro,possa ascender a algo, que poucas pessoas podem conseguir. O problema começou com o advento do capitalismo, o conceito de Meritocracia foi totalmente deformado e colocado a favor do Mercado. Com o argumento simples de que todos estão no devido lugar que merecem e se não ascendem de posição é porque não estão se esforçando ou não tem méritos suficiente para mudar. A Meritocracia é a cola e o que mantém nossa sociedade estável e funcionando.
A ilusão da Escolha
Imagine uma prisão e qual seria a prisão perfeita? No filme Matrix esse tema é abordado e a prisão perfeita é aquela em que as pessoas não a vêem, é a prisão em que o preso se imagina estar livre! No filme Matrix- (Matrix seria a simulação de uma realidade virtual para aprisionar bilhões de seres humanos no mundo real, que vivendo essa realidade jamais saberiam que são prisioneiros usados como baterias biológicas pelas máquinas), Reloaded Neo conversa com o Arquiteto, um personagem que supostamente seria o criador da Matrix e nessa conversa o Arquiteto conta a Neo que ele havia criado outras versões da Matrix, mas que elas haviam fracassado, porque tentavam emular o mundo perfeito e o cérebro humano não aceitava esse mundo como sua realidade. Foi então que outro programa chamado Oráculo descobriu que se houvesse a possibilidade da escolha, as pessoas aceitariam com uma taxa de 98% a realidade virtual. Os outros 2% seriam aqueles que quebrariam o sistema, considerados “anomalias” e que o sistema estava disposto a aceitar essas anomalias. Você não precisa controlar o que as pessoas fazem em cada hora de seus dias, tudo que você precisa fazer é controlar suas escolhas de tal modo que impossibilite que a maioria delas ultrapassem as barreiras do aceitável. E aquelas que por ventura conseguirem ultrapassar não só podem ser usadas como exemplo para os outros lhe dando esperança, como vão reforçar a ideia de que o sistema é bom e possibilita maravilhas. Assim nasce a romantização do esforço e do mérito. Assim começa-se a justificar as atrocidades, fome, pobreza como sacrifícios necessários para se ascender.
As pessoas acham muito bonito histórias de superação de alguém que sai da pobreza e por seu esforço e mérito ultrapassa as barreiras impostas pelo sistema. O que elas não entendem e que para cada uma pessoa que se esforça e ascende, existem milhões de outras que continuam no quase, ou que morrem em fracasso. Não é errado se esforçar para atingir alguma meta e ascender, só lembre que para chegar lá essa pessoa precisou de muita sorte e muita ajuda envolvida. Que assim como ela , milhares de outras tentaram e continuam tentando todos os dias e que ele é uma exceção e não uma regra!
Uma das anomalias de pensamento que a ideia de meritocracia cria, é a de que pobres ou pessoas menos capacitadas em alguma área, apenas o são, porque são acomodadas e não querem sair dessa condição! É obvio que existem pessoas acomodadas e que se esforçam pouco para sair de algum patamar, mas essas são exceções. Novamente o que ocorre é a inversão de valores, as pessoas tomam a exceção pela regra nesse caso. É o mesmo que no caso das pessoas bem sucedidas, tornam-se a exceção pela regra! Ninguem quer ser criticado, ninguém quer viver abaixo da linha, ninguém quer a miséria. Todos desejam em algum grau, ascender e serem bem sucedidos, reconhecidos por algo que fizeram; então porque raios, existem pessoas que pensam ainda que alguém quer fazer filhos para se acomodar no bolsa família? E se existir alguém que queira fazer isso, essa pessoa não seria exceção? O conceito de Meritocracia é algo complexo e leva bem mais que um simples texto para ser aprofundado adequadamente, mas por hora vou encerrando por aqui. E deixando a vocês o questionamento, se você é o gênio ou fracassado? Até que ponto você nasceu com algum privilégio em relação a quem esta abaixo de você? E se você não nasceu com esse privilégio, teve alguém acima de você que te ajudou a subir? Reflita!
Muito bom texto.
Comecei tentando pesquisar por algo diferente para ver: “Linkin Park ao som de Rock Lee vs. Gaara”. Não achei e sequer tenho ideia se alguém já agraciou o mundo com essa ideia.
Mas, no meio dos resultados do Google, esse texto me chamou a atenção. Enquanto pensava que seria apenas uma análise dessa luta histórica, vejo uma ótima análise social, que vai de Naruto a Matrix, para esclarecer o mundo onde vivemos e a idealização da exploração, como “único meio de ascensão”.