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Olá queridos Rabbiters! Já fazia alguns dias que não nos falávamos, eu estava ansioso para escrever para vocês! Como vão vocês?  Bom hoje é o Halloween, então feliz dia das bruxas para todos! E entre doces e travessuras  por hora vamos ficar com as travessuras! Travessuras que uma galerinha tem aprontado por ai. O tema do post de hoje vai perpassar por várias obras:

Mas, o que é o resistir?

Resistir é um verbo, uma ação, e isto significa não dobrar-se a outrem, assim como opor-se, fazer face, subsistir, conservar-se. O viver por si só é resistir: estamos a todo momento resistindo à destruição causada pelo tempo, ao desgaste que nosso corpo é afetado e à própria ideia de que a própria vida é por demais passageira (e por isso estaremos fadados ao esquecimento). Estar vivo e resistir é ser como o fogo: brilhar incessantemente na noite escura, ainda que essa chama possa durar não mais do que um breve intervalo da noite!

Em relação a essa temática o pensamento de Baruch Espinoza (1632-1677) nos traz uma importante lição filosófica. Espinoza foi um grande pensador holandês de origem judia, que teve uma história bastante conturbada, como contarei daqui a pouco. Para ele a vida é uma série de “encontros com o mundo” e em cada um desses encontros nos desgastamos um pouco, mas o que resulta desses encontros é o que somos. Em cada uma dessas interações com o mundo o confronto nos causa muitas e diferentes impressões, que são transmitidas ao nosso corpo como “afetos”. Os afetos são sentimentos expressos por nosso corpo, muitas vezes variantes da Alegria e da Tristeza. Vou falar um pouco sobre cada um desses afetos.

 

A alegria é uma relação de potência com o mundo, é um devir que faz o indivíduo ganhar mais força, mais mobilidade, mais dinâmica, mais potência e mais maneiras de agir. É um multiplicar-se para dentro e para fora. Já a tristeza, ao contrário, é a perda da potência do indivíduo, em que seu horizonte se contrai, e ele passa para um grau inferior de perfeição e de participação na natureza. É como se na tristeza nos afastássemos de nós mesmos. Frente a essa discussão, cada interação sua, com o mundo, cada esforço seu é, dessa forma, favorecida por esses afetos e outros semelhantes. Também nessa discussão surge o sentimento de esperança que, segundo Espinosa, é como um vislumbre do corpo de que haverá alegria no futuro, algo que o corpo reage positivamente frente a esse vislumbre. O resistir é, dessa forma, uma ação do corpo pautada na esperança, este afeto que busca a alegria, o dinamismo, a potencial vital, o florescimento.

A história de vida do próprio Espinosa mostra o quanto ele vivia sua própria filosofia: vindo de uma família tradicional judia, as opiniões erráticas do pensador atraíram a ira da comunidade em que ele vivia e resultou em sua excomunhão frente às autoridades religiosas de seu tempo. Essa ação era de tamanha seriedade para época que basicamente ser excomungado significa deixar de existir para aquela comunidade: as pessoas eram proibidas, nas palavras do filósofo, de relacionar-se com ele, falar, aproximar ou mesmo de cumprimentá-lo. Sua existência era de tal incômodo e indesejável às pessoas que elas o tratavam como um cão sarnento. Ainda assim, silenciosamente Espinosa resistia, como um verdadeiro espirito livre e tolerante a seus iguais, ainda que tivesse todos os motivos para odiá-los.

As pequenas relações do Poder na sociedade

No mundo, o poder é baseado numa extensa teia de micro-relações de poder, como dito extensivamente pelo filósofo Michel Foucault (1926-1984) em seu livro Microfísica do Poder (1978). Para Foucault, o poder não está preso no alto da pirâmide, concentrado e imanando sozinho e irradiando para as cadeias de baixo. Existem relações de poder  em todas as relações de seres humanos, como entre irmãos, pais, tios, professores, amigos, namoradas e namorados; todos eles tem para conosco uma relação de poder onde ambos escolhem exercer ou não seu poder sobre o outro. Nessas relações de poder sempre que um corpo tentar imprimir sobre outrem sua força há uma relação de atrito e  então de resistência. “Para resistir”, afirma Foucault, “é preciso que a resistência seja como o poder”, “tão inventiva, tão móvel, tão produtiva quanto ele”, e “que, como ele, venha de ‘baixo’ e se distribua estrategicamente”.

“Onde há poder há resistência. Michel Foucault”

 

Nadando contra a maré

O verbo resistir, além de ser político é também filosófico, inerente à existência, visto que a regra do mundo é a escassez e não a abundância, um exemplo disso é a forma como somos concebidos: surgimos da competição entre milhões de espermatozoides em que somente um deles fecundaria o óvulo na concepção, um teria sucesso enquanto todos os outros morreriam, para que uma vida pudesse ser formada! Dentre tantas possibilidades que seriam formadas com essa união, nosso resultado foi o que suplantou a todos os outros! Lutamos bravamente e resistimos antes mesmo de chegarmos a esse mundo e, quando chegamos a ele, nos encontramos frente a infinitas cadeias de resistências. Resistimos a comer algo que não gostamos, resistimos a ir a escola, resistimos a  sermos mandados, resistimos à violência, resistimos à tristeza, e a tantos outros afetos que por pouco não nos derrubam. O resistir nada mais é do que reafirmar nossa existência, tal como na frase “apesar de tudo, ainda estamos aqui”. E ao resistirmos à correnteza e nadarmos contra a maré, fazemos uso de diversas manifestações para além de nosso próprio corpo, tal como as artes.

O resistir é algo que está diretamente ligado a uma das obras de ficção mais icônicas do seculo XX, a franquia Star Wars (Guerra nas Estrelas) de George Lucas, que foi retomada recentemente. Lucas afirmou ha um site uma vez que a história de Star Wars poderia se resumida nessa frase:

“Star Wars conta a história de como uma república torna-se um império, e como um homem bom torna-se um homem mau.”

Em um outro momento mais oportuno eu quero fazer uma análise mais profunda sobre esta que considero uma das obras mais icônicas para o cinema e que tanto amo, todavia, vou me ater apenas a analisar um trecho do filme mais recente, Star Wars VIII – The Last Jedi (2017). The Last Jedi foi com toda certeza um filme ímpar à franquia, eu o assisti no cinema e naquele dia já imaginei que ele iria dividir opiniões dos fãs. É um filme que vale a pena ser visto, e hoje penso o oposto do que pensei na época em que vi, posso afirmar que é um excelente filme. A dinâmica do filme se passa numa perseguição feroz da Primeira Ordem à Resistência Rebelde. Não quero dar muito spoiler do enredo, mas para agora temos o seguinte: o filme em várias cenas mostra que a resistência está espalhada pela galáxia e que ela se encontra em pequenas coisas, e até nas pessoas mais subjugadas pela opressão da Primeira Ordem. Uma das cenas de maior impacto do filme é quando Rose joga seu Speeder em cima de Finn, pois ele desejava realizar um ato heroico que poderia significar uma manobra de sobrevivência que garantiria a sobrevivência dos rebeldes. O “resgate” de Rose impediu que ele se matasse e, assim que esse episódio acontecera, Finn a perguntou incrédulo por que ela o impediu de prosseguir em sua missão. E então a obra nos brinda com um dos momentos mais lindos do filme:

Não vamos vencer ao destruir o que odiamos, mas sim salvando o que amamos” – Rose Tico para Finn

Existe então uma dinâmica natural e intrínseca ao ser humano, onde a resistência e o poder convergem entre si. Para alguns estudiosos da Antropologia (ciência que estuda as relações dos homens e das sociedades) a cultura é impositiva e coercitiva, pois invariavelmente impõe os modelos de comportamento e conduta desejáveis e aceitáveis, mas cabe aos seus membros decidirem sobre o que querem e o que desejam. Podemos dizer que os indivíduos estão “livres” para quebrar as regras estabelecidas desde que estejam conscientes do “preço” que pagarão pela opção ao diferente: em algumas situações podem ser ridicularizados, mas há extremos em que podem ser excluídos. Não existe imposição cultural completa e homogênea, pois sempre haverá um expoente de resistência: enquanto houver o livre-arbítrio, o homem tem nessa liberdade a sua resistência e a esperança pela felicidade e o existir.

Os Negros que vieram escravizados para o Brasil, resistiam de variadas formas frente às imposições de sua condição. A sua resistência ia desde praticar a sua religião em segredo, jogarem a capoeira, e até mesmo recusarem-se a aprenderem português, tornando-se inúteis aos que os compravam. Muitos também praticavam o infanticídio e o aborto para que seus filhos não tivessem o mesmo destino e, como último recurso de resistência, cometiam o suicídio, pois era na morte a sua última tentativa de não dobrar-se frente aquela condição sub-humana. Que possamos existir e resistir, que possamos dizer ainda que estamos aqui, mesmo se os encontros com o mundo somente nos causarem tristeza, que possamos resistir em cada xícara de café, em cada respiração, em cada orvalho da manhã. Porque vencer não se trata de quem bate mais forte, se trata de se levantar a cada vez mais que somos derrubados.

Fernando

33 anos, Professor, Historiador, Gamer e Escritor. Fascinado pelo universo Geek e Pop. Leitor, fã de música e cinéfilo. Pai de um rapazinho e uma mocinha. Em horas vagas escreve neste blog. Me sigam no twitter @ferthenando e no Instagram @ferthenando18

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